Perfil de PEDRO PERNAS





Sempre quiseste ser actor, mesmo quando eras criança?
Tenho que responder que não. Penso que sempre quis ser cantor porque, desde muito cedo mesmo, eu não parava de cantar. Tenho memórias de quando tinha nem dez anos ainda em que no meu bairro, que fazia uma praça, as vizinhas me pedirem das janelas para cantar para elas enquanto estendiam a roupa. Ainda na minha infância quis seguir o sonho de ser jogador de futebol e joguei nas camadas infantis dum clube federado. E não era mauzinho. Tentei então entrar no meu Sporting e como não me recrutaram, matei o sonho por ali; ou era no Sporting ou nada. Mas isto foi só um aparte. Já nos meus catorze anos, cantei num bar em Alhandra, a cantar covers de músicas dos “The Beach Boys” onde durante cerca de um ano e meio, senti o que era fazer-se parte de uma banda e sonhei logo em ter uma banda de originais. Ainda tive algumas experiências; todas frustradas, em termos de afirmação. Passaram-se uns anitos e fui estudar música, sendo a minha disciplina de instrumento o Canto, numa escola técnico-profissional onde, certo dia, no meu terceiro e último ano, recebo o convite do meu professor de Inglês, que era inglês, para fazer uma audição para uma peça do grupo de teatro amador do qual ele fazia parte, os “The Lisbon Players”. Era para a opereta “The Beggars’ Ópera” de John Gay. Lá fui, fui escolhido para o papel de Macheath e foi uma experiência tão boa e tão rica que me deixou com o chamado bichinho do teatro para sempre. Resumindo, não foi desde criança que quis ser actor, foi desde a juventude, mas agora não me imagino a ser outra coisa. Acho que tinha mesmo que o ser.

Onde foi a tua estreia?
Como disse, a minha estreia nos palcos como actor/cantor foi na “The Beggars’ Ópera”, só que foi a nível amador, embora o “The Lisbon Players” seja um grupo mais profissional que alguns grupos profissionais que conheço. Mas a minha estreia como actor profissional foi no musical “Jasmim - ou o Sonho do Cinema” de Filipe La Féria.


O que fizeste com o Filipe La Féria e como foi esse período?
Além do “Jasmim” no palco, fiz parte do elenco da série televisiva com o mesmo nome, exibida na SIC e participei em eventos televisivos como por exemplo “40 Anos R.T.P. - Saudades do Futuro” e as variedades que o Filipe dirigiu para os Festivais da Canção 95 e 96, se não estou em erro. Participei também em três programas de “Todos ao Palco”, como convidado, assumindo personagens que iriam concorrer à Chorus Line juntamente com os concorrentes verdadeiros. O último projecto do qual fiz parte foi “Camaleão Virtual Rock”, uma Ópera Rock que Filipe Lá Féria escreveu para a R.T.P, em 96/97.
Todo esse período foi um período de aprendizagem e habituação ao palco, ao teatro e a todas as suas condicionantes e foi também um período onde realmente aprendi a conhecer-me como actor e a saber ultrapassar as minhas limitações. Foi uma fase onde aprofundei os meus conhecimentos em relação ao Teatro Musical, onde comecei a aprender dança, por força da necessidade desta característica neste estilo teatral ( até aí, pouco ou nada dançava) e foi onde, com a equipa técnica do Teatro Politeama, aprendi tudo sobre a montagem de um espectáculo, sobre os bastidores, e aprendi toda a nomenclatura do equipamento de um teatro. Foi também neste período que trabalhei pela primeira vez em televisão, o que foi muito enriquecedor porque experimentei também essa forma de se ser actor.
Resumindo, neste período adquiri todas as bases necessárias para trabalhar e continuar a evoluir nesta profissão em que decidi apostar. Obrigado Filipe, com quem aprendi muito, para o bem e para o mal, e obrigado também a toda a máquina humana do Teatro Politeama que me deixou vasculhar no trabalho deles para poder conhecer o TEATRO e aprender sobre TEATRO.



E a experiência com os Els Comedients?
Foi o continuar a evoluir, a conhecer novas perspectivas e novas formas de trabalhar, onde tomei consciência de que, por toda a minha vida, eu iria estar sempre a aprender e a ter que me adaptar a toda uma nova forma de se estar no teatro. Cada grupo, cada pessoa tem o seu método e nada melhor para um actor que passar pelo maior número possível de métodos diferentes de se estar e de se fazer teatro para assim ir aumentando as ferramentas de trabalho. Com eles fiz “O Rapaz de Papel”, um musical com música de Pedro Abrunhosa levado a cena no Teatro da Trindade, no “Festival dos Cem Dias” que antecedeu a EXPO’98 e participei na “Peregrinação”, espectáculo itinerante desse grande evento. Quero só acrescentar que todos os “els Comedients” que conheci e com quem trabalhei são de uma sensibilidade artística e de uma sensibilidade humana fantásticas. Isso ajudou-me a reconhecer o companheirismo e a humildade como grandes ferramentas de trabalho para qualquer actor, essenciais mesmo.

A seguir foste parar ao TIL, como foi essa experiência? Que peças fizeram lá e como é trabalhar para o público infantil?
Fui por convite do meu querido Fernando Gomes, na altura director artístico do grupo. Foi uma experiência importantíssima para mim, para o que sou e sei hoje, e por várias razões:
- por tudo o que aprendi com o Fernando, que é imensurável;
- pelo facto de ter tido oportunidade de participar em toda a montagem do espectáculo, não me limitar a ser só actor. Nunca mais me esquecerei de todas as noitadas que passámos a construir o cenário, onde aprendi muito sobre essa arte com o colega de palco e também cenógrafo da companhia Kim Cachopo. Aprendi sobre que materiais utilizar em cada situação e como trabalhar cada um desse materiais, enfim, abordei mais uma das vertentes do teatro;
- Desenvolvi o meu endurance como performer, já que cada temporada no TIL implicava sete meses em cena, com um horário atípico, por se tratar de teatro infantil. Tinha récitas de quarta a domingo, sendo que de quarta a sexta era de manhã e de tarde e aos fins-de-semana só de tarde.
A minha temporada no TIL foi de quatro anos e participei nas peças “O Corcunda de Notre Dame”, “Os Três Mosqueteiros”, “A Ilha do Tesouro” e “A Bela e o Monstro”.
Só me resta dizer que o público infantil é dos públicos mais difíceis de trabalhar para, já que estão ainda muito limpos de preconceitos e são por isso o público mais sincero e terra-a-terra que podemos “enfrentar” enquanto actores. Não existe cinismo na manifestação do agrado.


E ainda houve a experiência da Klássikus que foi um pouco o prolongamento do TIL, não? Como foi?
Digamos que o facto de fazer parte da Klássikus, associação cultural que o Fernando Gomes formou, foi consequência do trabalho no TIL, mas não é de todo um prolongamento desse mesmo trabalho. São linguagens e registos bem opostos até. A única semelhança será o facto de se trabalhar sobre grandes clássicos do mundo da literatura.
Na Klássikus, aprendi a estar no mundo do teatro independente. A companhia é como uma família, todos nós fazemos de tudo o que há para fazer, desde cenários ao guarda-roupa. Foi neste período que aprendi realmente a fazer comédia e com o maior mestre da mesma, o grande Fernando Gomes. A frase que mais vezes me bate na cabeça durante um processo de construção de um trabalho é de sua autoria, que passo a citar: “A melhor forma de se fazer comédia é com seriedade. Nunca se deve desenhar ou dar peso a uma piada, pois ela existe por si só. Nós só temos de a viver da forma mais humilde e verdadeira que conseguirmos. Senão esta tornar-se-á superficial e redundante”. Posso afirmar que o Fernando Gomes é o meu maior mestre de teatro, porque foi com quem trabalhei durante mais tempo e, por isso, com quem mais aprendi. Sou um sortudo por ter tido essa oportunidade. Falo no passado porque, devido a outros convites e a outros trabalhos, afastei-me dos palcos pisados pela companhia e fui pisar outros, mas faço ainda parte da grande família que é a Klássikus e tenho a certeza de que vou voltar a ter o prazer de partilhar as tábuas com todos eles. Até já.

E o “Portugal, Uma Comédia Musical?” no São Luiz, foi tudo o que esperavas?
Não sei sinceramente o que é que eu esperava; fui ao casting, fui escolhido, fiquei feliz por isso e “vamos lá ao trabalho”. Foi bom trabalhar com o António Feio, de quem eu gostava do trabalho e com quem queria trabalhar. Foi mais uma escola. Foi um prazer cantar as fantásticas músicas que o Sérgio Godinho compôs, como também foi conhecê-lo. Gostei da equipa, sempre boa onda, muito talento. Creio que o balanço foi bastante positivo, portanto, sim, foi o que eu esperava.


Depois foste até ao Porto onde fizeste um pouco trabalhos diferentes daquilo que estavas habituado. Como foi a tua temporada de 2005 a 2006 no Teatro Nacional São João?
Digamos que fui acabar o meu “curso de teatro”. Tudo o que eu levava na bagagem era apenas o que tinha aprendido em trabalhos de registo e de estética diferentes , como referiste na pergunta. Era tudo novidade. E foi como que assistir a uma Masterclass. Naquela casa bebe-se teatro na verdadeira essência da palavra. Foi a minha mais rica experiência profissional, por tudo o que aprendi, por tudo o que vivi. Mas principalmente por toda a equipa, que me recebeu de braços abertos. O excelentíssimo Ricardo Pais, que respeito profundamente pelo homem de teatro que é, pelo fabuloso ser humano que é, e por tudo o que me ensinou, conseguiu reunir à sua volta toda uma equipa de magníficos, todos exemplares na sua função. E quando estás inserido numa casa assim, começas por te sentir pequeno, mas com todo o espaço para crescer, evoluir com todos eles. Foi também nesta fase que vivi o teatro a nível europeu, porque o TNSJ faz parte da UTE – União de Teatro da Europa, e vive todo um intercâmbio cultural com teatros europeus. Fomos a Roma, a Reims ( à “Comedie de Reims”,a casa de Emannuel Demarcy-Mota) e a Turim. Pessoalmente, sinto que fiquei aquém das expectativas, mas tenho consciência de que dei sempre o meu melhor e de que realmente aprendi bastante e evolui muito como actor. Sinto-me com outra bagagem. Foi, portanto, um privilégio poder fazer parte da equipa que considero ser a melhor equipa com que já trabalhei. E falei sempre de todos os sectores. Bravi. Posso dizer que o Teatro Nacional de S. João é sem dúvida a casa mais bem organizada e mais bem equipada onde já trabalhei. Obrigado, Ricardo, por esta oportunidade.

P.S- Depois da temporada no TNSJ, onde e quando conheci Nuno Cardoso, voltei para Lisboa e fiz parte do elenco de “Ricardo II”, que este encenador dirigiu para o Teatro Nacional D. Maria II. Outra magnífica experiência, onde tive oportunidade de desenvolver as minhas capacidades de improviso. Brutal.

E agora vieste parar ao “Os Produtores”, já tinhas trabalhado com o Cláudio Hochman, noutros projectos.
Já tinha trabalhado com o Cláudio em três projectos e meio antes deste “Os Produtores”. O primeiro projecto com ele foi “O Último Tango de Fermat”, um musical Off-Broadway sobre matemática levado a cena no Teatro da Trindade aquando do Ciclo de Ciências. Foi um projecto muito positivo. Música fantástica, personagens fabulosas. De seguida, surgiu o convite do Cláudio para integrar o elenco do “Fungágá”, espectáculo concebido a partir de canções de José Barata-Moura. Ainda participei na Gala de Apresentação do mesmo, mas entretanto optei por não integrar o projecto final. Abriu-se a porta para o “Portugal – Uma Comédia Musical” e decidi entrar. Foi este o meio projecto. Depois da minha volta a Lisboa, já depois de ter vivido o “Ricardo II”, recebo um telefonema do Cláudio a perguntar-me se queria entrar no musical “Sonho de uma Noite de Verão” a partir de Shakespeare, para o D. Maria II. Eu aceitei, por voltar a trabalhar com o Cláudio, mas principalmente por voltar aos musicais. Só que faltavam apenas seis dias para a estreia porque iria substituir um dos intervenientes que se tinha magoado numa perna. Foi a minha mais rápida preparação de um espectáculo, mas, como fui muito bem acolhido por toda a equipa, na estreia estava pronto, surpreendentemente seguro e feliz por fazer parte deste projecto. Com esta mesma equipa, o Cláudio dirigiu o musical “Fungágá MP3”, também produção do D. Maria II, mas levado a cena no Teatro Villaret, que foi um projecto que me ajudou a recuperar a forma física e as capacidades e disponibilidades necessárias para estar em cena num musical. Muito cantei e muito dancei. Foi um projecto descontraído e muito feliz. Daí, surgiu o convite para o casting de “Os produtores” para o qual fui felizmente escolhido.

Como tem sido o processo deste “Os Produtores”? Não é normal estrear fora de Lisboa é só depois atacar a capital, qual tem sido o efeito disso nos actores?
Tem sido um processo descontraído, que desde o início evoluiu de uma forma natural. A Cherry conseguiu reunir uma equipa fantástica, muito heterogénea, mas que conseguiu uma homogeneidade de grupo incrível, que se reflectiu no trabalho e nos deixou construir um espectáculo de muito boa qualidade e muito seguro a nível artístico. Que bom que tem sido fazer parte deste projecto.
O facto de termos estreado em Portimão, e de termos ainda visitado Coimbra e Leiria antes de, finalmente, estrear em Lisboa, foi, creio que para todos, muito bom porque nos deu a oportunidade de rodar o espectáculo antes da prova de fogo lisboeta e, assim, nos sentirmos mais preparados para a maior temporada que esta equipa vai viver. Encontrámos sempre públicos diferentes e constatámos que o espectáculo foi sempre bem acolhido, o que nos deixou com a sensação de que estamos realmente a levar a cena um espectáculo de grande qualidade que desperta carinho nos mais variados tipos de público e isso encheu-nos de confiança para todas as provas de fogo que tivermos que enfrentar.

Como foi o processo da criação deste teu Franz Liebkind?
Foi muito bom. Deu-me muito prazer abordar e aprofundar esta personagem. Tentei ver o mínimo possível de produções deste musical. Não tive, infelizmente, oportunidade de ver esta obra em cena. Vi só a última produção para cinema. E fi-lo apenas uma vez, para me preparar para o casting. E isto para não me sentir demasiado influenciado pelos trabalhos que visionasse. Obviamente, a personagem obedece a uma fórmula definida pelo autor da qual não me podia distanciar, tanto nos desenhos cénico e coreográfico como na definição do carácter mas, com esse material e com todas as indicações pedidas pelo Cláudio ao longo de todo o processo, penso que criei um Franz Liebekind um pouco diferente. Tem a loucura, tem o fanatismo por Hitler, tem os pombos como únicos amigos, tem os rasgos esquizofrénicos de general alemão, mas também tem um toque de humanidade e de sensibilidade emocional e tem uma noção de justiça tão presente que acaba por despertar simpatia no público, apesar destas características se manifestarem pelas causas erradas, mas que são as causas em que ele acredita, às quais se entrega com toda a lealdade.
Tentei também criar, e dar de forma discreta, uma fiscalidade próxima da dos pombos, os únicos seres com quem interage na sua vida. Obrigado, Frederico, por teres observado e comentado isso quando nos foste ver.


Como é que te sentes no papel de um Nazi?
Sinto-me bem, e explico porquê. Não sinto que esta personagem seja um nazi no seu verdadeiro e depreciativo sentido. Sinto que é uma sátira ao nazismo. Ridiculariza a figura do nazi. O monstro do nazismo é, nesta comédia, banalizado, com o intuito de retirar toda a importância ao seu poder durante o seu período negro e para, ao mesmo tempo, nos lembrarmos que estes fenómenos se têm repetido ao longo da nossa história e que está nas nossas mãos não permitirmos que se repitam. Não é, de todo, pró-nazi. É antes um abrir de olhos, é um néon que diz “Lembrem-se do Holocausto; não deixem que se repita!”. Acho, portanto, que nem sequer me sinto no papel de um nazi, mas sim no papel de um louco que, na sua loucura, embicou para o fanatismo por Hitler.

Ao ver-te no palco não podemos deixar de notar que estás em grande harmonia. É verdade? Está-te a dar um grande prazer?
Está a encher-me de prazer, todos os dias. Sinto-me feliz com este trabalho, está a ser gratificante fazer parte dele. E isso faz com que me sinta mais sereno e mais tranquilo. Faz com que consiga desfrutar do trabalho com menos tensão, com mais disponibilidade e com mais espaço para pôr em prática tudo o que aprendi. Logo, sim, é verdade, estou em harmonia profissional. E estou também numa fase pessoal de muita serenidade, de muita alegria, de muito amor, e isso ajuda, e muito, a estarmos em harmonia na vida, no geral. Estou, felizmente, numa boa fase; estou grato por isso.

Como é o espírito nos bastidores? O elenco e equipa em geral abraçaram o projecto de igual modo?
Voltamos a falar de harmonia. Como já disse, existe uma grande homogeneidade nesta numerosa e talentosa equipa, e o espírito de entrega e a noção de responsabilidade e o profissionalismo de cada um, faz com que, nos bastidores, se viva um ambiente de entreajuda muito forte, e também um ambiente de grande cumplicidade profissional. Até porque, em tournée, o grupo passou, forçosamente, bastante tempo junto, e isso ajuda a uma maior proximidade entre todos. Vive-se, portanto, um ambiente de bastidores onde a calma, a alegria, a amizade, o humor, a cumplicidade, a brincadeira e o prazer acontecem em paralelo e em harmonia com o profissionalismo e a concentração necessários para, mais uma vez, partilhar este “Os Produtores” com todos os que nos visitarem. Estamos todos juntos pela mesma causa; sermos felizes neste projecto.



(entrevista exclusiva para o Guia dos Teatros feita por e-mail)

Comments

Pedro Antunes said…
Boa tarde

Gostaríamos de vos enviar informação sobre a programação do Centro Cultural e de Congressos das Caldas da Rainha.
Solicitamos que nos enviem o vosso endereço de correio electrónico para agenda@ccc.eu.com

Esta mensagem poderá ser apagada.
Obrigado
Unknown said…
Pedro Pernas é realmente um actor/cantor incrivel. Adoro ve-lo em palco...cada uma das suas personagens tem uma vida tao propria que é impressionante. é realmente um grande artista.E uma voz excepcional. Parabens!