"A Criada Zerlina" no CCB



A atriz Luísa Cruz protagoniza "A criada Zerlina", num espetáculo baseado na peça homónima do escritor austríaco Hermann Broch, em cena na sala de ensaio do Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa.

"A criada Zerlina" tem encenação do realizador João Botelho, cenografia e figurino de Pedro Cabrita Reis, e a versão que vai estar em palco tem por ponto de partida o trabalho feito na década de 1980 para o Teatro Nacional D. Maria II, por António S.Ribeiro e José Ribeiro da Fonte, a partir da tradução de Suzana Muñoz.

Este monólogo centra-se nas memórias eróticas e nas confissões políticas de uma velha criada e no que a sua sabedoria de observadora implacável lhe permite ir construindo, de forma arguta, no texto do dramaturgo austríaco Hermann Broch (1886-1951), que historiadores da literatura europeia colocam entre os maiores escritores modernistas.

Algures no século XX, Zerlina vai discorrendo sobre tudo. Está lá a luta de classes, o corpo e "a culta passagem de um ser erótico a um ser ético", como escreveu o ensaísta José Ribeiro da Fonte na introdução ao texto que João Perry encenou, em 1988, no Teatro Nacional D. Maria II, com Eunice Muñoz como Zerlina, reposto cinco anos mais tarde na mesma sala.

Para João Botelho, como escreve no programa de sala, tratou-se de um “bom desafio” que o CCB lhe lançou, admitindo mesmo que pode “corromper” a encenação teatral com ideias de cinema.

“Mas por mais que pense dividir o espaço em luzes intensas e negras sombras e, entre umas e outras, os mesmos seres humanos aflitos ou eufóricos que em nós criam as emoções, o teatro vê-se sempre em plano geral e em plano sequência, sem rede ou artifícios protetores, que o largo negro também se vê”, observa o realizador.
Lusa



Memórias e confissões
Este é um dos títulos do filme póstumo de Manoel de Oliveira (o outro é A Visita) e eu roubo-lhe por duas razões. A primeira é porque gosto e entendo a sua afirmação radical: «o cinema não existe, é apenas o teatro registado por meios audiovisuais».
Oliveira apenas queria alertar para o perigo da falsidade que se esconde no cinema, que enganando o espectador está sempre a tentar colar-se à vida, e afirmar a falsidade clara do teatro que desde a abertura da cortina ou quando apenas se apagam as luzes da sala e se ilumina o palco, se impõe logo como espectáculo, representação, reflexão, arte mais nobre e verdadeira.
Evidente que eu posso corromper a encenação teatral com ideias de cinema, mas por mais que pense dividir o espaço em luzes intensas e negras sombras e, entre umas e outras, os mesmos seres humanos aflitos ou eufóricos que em nós criam as emoções, o teatro vê-se sempre em plano geral e em plano sequência, sem rede ou artifícios protectores, que o largo negro também se vê.
A segunda, por aqui se trata das memórias eróticas de uma velha criada e das confissões políticas, que a sua sabedoria de observadora implacável vai construindo com argúcia ao longo da narrativa, o
brilhante texto de Hermann Broch. Lutade classes à flor da pele. «Corpo e culpa» e a transformação de um «ser erótico» em «ser ético» escreveu com justiça José Ribeiro da Fonte na introdução ao texto
traduzido para João Perry encenar há mais de 30 anos com Eunice Muñoz, a sua Zerlina. A minha será a prodigiosa Luísa Cruz, os cenários e figurinos de Pedro Cabrita Reis, a luz de Nuno Meira, o som de Sérgio Milhano, o produtor empenhado Nuno Pratas. Que posso desejar mais? O convite do CCB foi bom. Será uma bela aventura, não acham? O meu cinema ao longo do tempo também foi corrompido pelo teatro e disso nunca me arrependi. 
Espero conseguir tornar inesquecível a minha criada Zerlina.
João Botelho

JOÃO BOTELHO
Frequentou a Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra e a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Foi dirigente do CITAC. Integrou os cineclubes de Coimbra e Porto.
Foi professor na Escola Técnica de Matosinhos, ilustrador de livros infantis e profissional de artes gráficas a partir de 1970. Frequentou a Escola de Cinema do Conservatório Nacional.
Foi crítico de cinema em jornais e revistas e fundou a revista de cinema M. Iniciou-se na realização com duas curtas-metragens para a RTP e o documentário de longa-metragem Os Bonecos de Santo Aleixo para a cooperativa Paz dos Reis. Teve filmes premiados nos festivais da Figueira da Foz, Antuérpia, Rio de Janeiro, Veneza, Berlim, Salsomaggiore, Pesaro, Belfort, Cartagena e Varna, entre outros. Foi distinguido duas vezes com o prémio da OCIC, da Casa da Imprensa e dos Sete de Ouro. Todas as suas longas-metragens tiveram exibição comercial em Portugal, quase todas em França e algumas em Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha e Japão. Foram exibidas retrospetivas integrais da sua obra em Bergamo (1996), em La Rochelle, com edição de uma monografia (1998) e na Cinemateca de Luxemburgo (2002). Foi distinguido com a Comenda de Mérito Cultural da Ordem do Infante (2005). 

LUÍSA CRUZ
Nasceu em Lisboa. Licenciada no curso de Formação de Atores da Escola Superior de Teatro e Cinema. Para além do teatro, o seu trabalho como atriz estende-se também à televisão, cinema, poesia e dobragens de séries infanto-juvenis. Colaborou assiduamente e durante muitos anos com o Teatro da Cornucópia. Participa em várias produções do Teatro Nacional D. Maria II, Teatro Nacional São João, Teatro Nacional de São Carlos e Escola Superior de Música de Lisboa. Luís Miguel Cintra, Ricardo Pais, Nuno Carinhas, Stephan Stroux, Christine Laurent e Giorgio Corsetti são alguns nomes com quem trabalhou em teatro. 
Em cinema, destaque para João Botelho, João Nicolau e Miguel Gomes. Em 2005, em colaboração com o pianista Jeff Cohen, lançou o CD de fados Quando Lisboa Anoitece. Entre outros prémios, recebeu dois Globos de Ouro e um Prémio SPA. 

A CRIADA ZERLINA
A partir de Hermann Broch
Versão de António S. Ribeiro
com a colaboração de José Ribeiro da Fonte,
a partir da tradução de Suzana Muñoz
Encenação João Botelho
Cenografia e figurino Pedro Cabrita Reis
Desenho de Luz Nuno Meira
Sonoplastia Sérgio Milhano/Pontozurca
Produção executiva Nuno Pratas
Interpretação Luísa Cruz
21 A 26 FEV / 3 A 6 MAR — 16H E 21H
21, 22, 23, 25, 26 FEV, 4, 5 E 6 MAR ÀS 21H / 24 FEV E 3 MAR ÀS 16H
SALA DE ENSAIO / +16
COPRODUÇÃO CCB/CULTURPROJECT

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