Um Palco só para Olga Roriz






Aos 54 anos, a bailarina volta a protagonizar um solo. 'Electra' estreia-se quinta-feira no Teatro Camões, Lisboa.

"A minha necessidade de fazer solos é constante", diz a coreógrafa e bailarina Olga Roriz. "Mesmo quando estou a trabalhar intensamente noutras coreografias com a companhia, os solos ficam à espera de um espaço, de um tempo, de uma ideia, mas estão sempre atentos." Assim que viu a sua oportunidade, apareceu Electra . Foi surgindo como uma sombra. Apoderou-se dela. Até à explosão do palco. O espectáculo - que integra as Comemorações do Centenário da República - estreia-se quinta-feira no Teatro Camões, em Lisboa, onde fica em cena até domingo. Aqui, Olga Roriz tem, novamente, o palco por sua conta.

Quando, há dez anos, estreou, nas ruínas de Montemor-o-Velho, Os Olhos de Gulay Cabbar , a dúvida já se impunha: para uma bailarina a idade é um limite ou um desafio? Nem um nem outro, parece dizer Olga Roriz. "É óbvio que há uma dureza física. Há coisas que já não consigo fazer. Mas também há uma maior maturidade, sei exactamente aquilo que quero e posso fazer. Como bailarina-coreógrafa trabalho ergonomicamente, já não me proponho fazer aquilo que é impossível. Trabalho com o material que tenho."

Olga Roriz não se imagina a parar de dançar. "Sou uma bailarina acima de tudo e ainda há muitas coisas para dizer e para mostrar." Além disso, há o prazer. E deste prazer não se abdica: "Gosto muito de estar no palco. Gosto da exposição. São momentos muito especiais." Como coreógrafa, precisa também destes solos onde, trabalhando sozinha no estúdio, se sente a rejuvenescer: "O meu corpo fica alerta, vivo, faz-me descobrir imensas coisas e isso nota-se quando, depois, vou trabalhar com outros corpos."

"Electra surgiu-me como surgiram as Troianas, Pedro e Inês ou Isolda. São histórias de pessoas que têm a ver com o nosso imaginário", explica a coreógrafa. A sua primeira impressão foi que estava perante uma personagem "complexa, rica e solitária". "A história de Electra só me interessa como ponto de partida. O amor do pai, o ódio à mãe. Ela tem uma imagem muito forte."

Na mitologia grega, Electra, filha de Agamemnon e da rainha Clitemnestra, é uma mulher determinada que, revoltada pela morte do pai (às mãos de Egisto, amante de Clitemnestra), decide vingar-se e convence o irmão, Orestes, a matar a mãe. Na psicanálise, o complexo de Electra é a versão feminina do complexo de Édipo, designando o desejo da filha pelo pai. Mais do que isto descobriu Olga Roriz ao longo da sua intensa pesquisa. "Li todas as Electras e tudo o que havia sobre a Electra. Vi tudo." Electra foi personagem em tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípides e, ao longo dos tempos, a sua história tem inspirado os autores mais diversos, de T. S. Elliot a Jean Paul Sartre ou Marguerite Yourcenar. Fizeram-se peças, óperas e filmes (veja-se, por exemplo, como o mito é actualizado Mal Nascida, o último filme de João Canijo).

De tudo o que leu, Olga Roriz sentiu-se mais tocada por duas versões: a do norte-americano Eugene O'Neil em Morning Becomes Electra (1931) e a Electra do francês Jean Giraudoux (1937). De O'Neill guardou sobretudo "o lado espacial, aquele palácio de onde ela não sai, como se estivesse presa", enquanto Giraudoux lhe mostrou "o lado mais feminista" de Electra, "uma mulher muito forte e reivindicativa, com muita personalidade".

Seguiu-se então um trabalho mais de dramaturgia, feito a meias com Paulo Reis, seu antigo colaborador. "Fomos dissecando aquela mulher, escrevendo frases, sensações, pontos de partida para reflexões, motes para improvisações." É preciso saber tudo, pensar em tudo, para depois tudo esquecer no momento da criação - é mais ou menos assim o método de Olga Roriz. "Quando vou para estúdio, abro o caderno e fecho-o logo a seguir. Naquele momento, isto já tem que estar cá dentro", conta.

A personagem surge de dentro para fora. Por isso, não se espere encontrar Electra em Electra. É uma aproximação muito própria. Olga Roriz entra e sai da personagem, aproxima-se e afasta-se. "É uma construção arriscada, vai ser um embate para o público", prevê a coreógrafa. Electra aparece, senta-se, lamenta-se, não faz nada, deixa-se estar, espera. Espera muito. "É incansável nesta espera pelos seus objectivos", diz Olga Roriz. "É a minha Electra."

Maria João Caetano in DN







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