Paulo Ribeiro em Entrevista





“Hoje o Teatro faz parte da cidade e há dez anos não fazia”


Natural de Lisboa, Paulo Ribeiro, de 49 anos, fez carreira como bailarino em várias companhias dentro e fora do país, acabando por criar a sua própria companhia, em 1995. No seu vasto currículo integram-se trabalhos para várias e famosas companhias, alguns em colaboração com reputados coreógrafos portugueses. Em 1998, casado com a bailarina Leonor Keil, natural de Canas de Senhorim instalou-se em Viseu para dirigir tecnicamente o Teatro Viriato então restaurado. Dez anos depois, a residir em Canas de Senhorim e “absorvido” pelo trabalho do Teatro, diz o que pensa sem meias palavras: do Viriato, da cidade, das pessoas e, reconhecendo que Viseu o “foi adoptando”, revela que gostaria de fazer muito mais, mas sente que as empresas da região ainda levam a cultura pouco a sério.

Dez anos de programação, é muito tempo como diz a canção de Paulo de Carvalho?
Eu acho que não, passaram a um ritmo alucinante, aliás a exposição de fotografia que o José Alfredo (fotógrafo de Viseu) vai fazer no Teatro Viriato, mostra um pouco esta trajectória, em termos de imagem. Nós, olhamos para nós e vemos que envelhecemos um bocadinho todos (risos) mas acabámos por envelhecer pouco e damos conta que estes dez anos foram uma espécie de flash, mas foram dez anos fascinantes.

Com esse entusiasmo todo, está preparado para mais dez?
Não sei se estou preparado para mais dez. É verdade que gosto muito de lançar projectos e a vantagem de dirigir um equipamento como este é não haver rotina, porque se houvesse rotina eu acho que me desmotivava muito mais facilmente. A rotina é algo contraproducente e faz-nos estagnar. Um desafio como o Teatro Viriato faz-nos equacionar constantemente como é que poderíamos levar as coisas mais longe. No editorial que faço na brochura da nova programação questiono: Como é que não nos lembrámos disto antes? Há coisas que hoje em dia nos parecem óbvias e só agora lá chegámos.

O Teatro conquistou a cidade?
E a cidade conquistou o Teatro. Muita coisa mudou ao longo destes dez anos. Hoje, o Teatro faz parte da cidade e há dez anos não fazia. É impressionante o espírito crítico das pessoas e falo nas várias gerações, porque é muito interessante constatar que há cada vez mais jovens a irem ao teatro, há cada vez mais jovens que reclamam um certo tipo de programação. A população mais conservadora, muitas vezes olha o Teatro como um espaço só de entretenimento onde vai para preencher de forma mais lúdica e mais alegre o seu dia-a-dia, enquanto que os jovens já reclamam um certo tipo de obras e autores mais emergentes. É importante haver pluralidade na programação, temos que ter uma programação cosmopolita e isso passa pela diversidade de ideias. Nós devemos ser muito atentos no sentido de levar obras ao teatro que comuniquem com as pessoas, que questionem as pessoas, que as façam enriquecer no seu dia-a-dia e as façam olhar para o mundo que nos rodeia e na forma como somos intervenientes em relação ao que nos rodeia. É para isso que serve o equipamento cultural, ele não serve só para nos anestesiar como a televisão faz.

Serve de alerta?
Completamente. O teatro e a cultura estão ao lado da educação. Isto é tornarmo-nos mais capazes de enfrentar as surpresas do dia-a-dia. Tornarmo-nos mais ricos de forma a sermos mais criativos em relação ao que nos rodeia. Quanto mais informação, quanto mais criatividade tivermos, mais aptos estamos a viver de forma diferente estas intempéries.

A crise está a sentir-se no Teatro Viriato?
Não se tem feito sentir no Teatro Viriato, como acho que não se tem feito sentir em outros teatros. A Companhia [Paulo Ribeiro], quando foi agora à Culturgest, o Teatro estava apinhado. Em 2007 foi um ano difícil, 2008 foi dos melhores anos do Teatro Viriato, portanto, há imponderáveis que nem sempre se prevêem e ir ao teatro não é caro.

Voltando à maturidade do Teatro, o que o vai marcar daqui para a frente?
Por exemplo, um espaço que não está muito interessante, o Foyer, vai funcionar, este ano, de forma fantástica. Vamos ter músicos incríveis já confirmados. Vai ter uma ocupação quase constante.

O que destaca da programação do primeiro trimestre de 2009?
Estes três primeiros meses, acho-os muito felizes em termos de programação. Tem várias vertentes todas elas eficazes, não só as que nos ligam às escolas, como a ligação que temos com os artistas associados ao Teatro, os artistas residentes.

Vamos ter…
Estreias absolutas, justamente com os artistas que vivem na cidade e não só. E vamos evidenciar esta forma como o Teatro se vira para o exterior:

Por exemplo?
Nós nunca fizemos a abertura do Teatro desta forma, com um concerto a acontecer no palco, outro concerto a acontecer no estúdio de cima da companhia residente, as pessoas podem circular pelo Teatro, o Tito Paris, depois do concerto, vai continuar a tocar e as pessoas podem ir para o palco.

O que vos levou a virar o Teatro Viriato para o exterior?
Eu acho que foi muito a experiência adquirida. O Teatro foi sempre considerado um equipamento de elitismo, só para alguns.

Não vem de agora a aposta do Paulo Ribeiro em contrariar essa tendência…
Eu sempre falei disso e tenho-o feito de forma seccionada na programação: faço espectáculos pouco elitistas como as "Conversas da Tetra"…

A projecto de levar as bandas filarmónicas ao Teatro em 2008.
Exactamente, mas esse foi um projecto que funcionou muito mal infelizmente, quer dizer, não teve o resultado que esperaria. Fizemos um esforço enorme para levar as pessoas ao Teatro mas… (pensa). Temos que ter aqui um cruzamento muito forte na forma como chegamos às pessoas, que não passa só pela qualidade dos espectáculos, passa pela forma como esses espectáculos também se projectam para o exterior. É muito importante tentar fazer com que aquele espaço seja um espaço mais vivido na sua plenitude, mais abrangente, no sentido em que não é só a sala, mas ter um Teatro a funcionar com os seus vários espaços. Nós vamos ter a Companhia de Peter Brook, que é um Deus do teatro, em Viseu. É uma peça com o filme ["Brook by Brook"] que acontece antes, em parceria com o Cine Clube de Viseu, que é o filho Brook que entrevista o pai Brook. O filme é exibido a 13 de Março e o "Fragments", no Teatro é a 16 e 17 de Março.

O que mais destaca da programação destes próximos três meses?
Eu destaco tudo. Logo a abertura com o Tito Parias e com a O’Questrada (24 de Janeiro), a seguir temos a Companhia belga Laika com um espectáculo absolutamente suigeneris, porque, uma vez mais, este espectáculo "Me Gusta" acontece no palco, mas é um espectáculo gastronómico ao mesmo tempo.

Os Workshops têm sido outra das apostas do Teatro?
Há um projecto que tentámos fazer antes e que neste trimestre acho que vamos conseguir de forma mais consequente que é: quando temos estes artistas incontornáveis, promovemos estes Workshops ao mesmo tempo, para os mais jovens, para as escolas, ou mesmo para pessoas que já começam a ter o hábito, através do Lugar Presente.

É uma programação pensada para comemorar dez anos?
Não, eu fiquei traumatizado com a história da Gulbenkian porque a fecharam quando tinha 40 anos. Nós quando temos percurso, temos a responsabilidade de continuar a avançar. Nas minhas peças, enquanto criador, tento nunca me repetir, tento ir sempre mais longe e a experiência adquirida ajuda a não cometer os mesmos erros. Em relação à programação [do Teatro Viriato], são dez anos e nós tentamos sempre ir um pouco mais longe em relação ao passado e conseguimos uma série de reajustamentos. Não nos podemos esquecer que a equipa do Teatro Viriato fez-se, e equipa que lá está agora, quando foi para lá há dez anos, não sabia sequer o que era um teatro, nem sabia como se faziam luzes ou se fazia som. Nós formámos imensa gente.

O Teatro foi uma escola?
Foi uma escola. E foi uma escola para as pessoas que formámos ali dentro e também para as pessoas que passaram por nós e que, hoje em dia, fazem outras coisas na cidade em outros equipamentos que foram abrindo.

"Uma cidade não vive só de Catarinas Furtados a fazerem uma visita ao Palácio do Gelo"

"Viseu a 15 do 6" pode repetir-se?
Eu tenho uma ideia que é um conceito novo de ter a cidade a palpitar no seu todo. É uma espécie de mini-festival de dois/três dias intensos, à volta do centro histórico, onde se podiam fazer coisas incríveis: com dois ou três percussionistas, pôr os operários que apanham o lixo a fazer música com o som dos caixotes, os pedreiros a bater com os martelos…, portanto, podíamos ter um conceito em que toda a cidade vibra, toda a cidade toca, onde haja um cruzamento entre os grandes profissionais e os não profissionais. Pode acontecer com a música, com a imagem, com a dança e temos aqui, mais uma vez, a famosa pluralidade.

Há que avançar.
Eu não posso fazer isto sozinho.

Precisa de quem?
Preciso da cidade.

Da cidade?
Da região de turismo, das empresas, da câmara, preciso da cidade a trabalhar para isto. Ou seja, preciso de ajuda. Com o "Viseu a 15 do 6" a coisa foi modesta e para voltar a fazer uma coisa destas tem que se dar um passo em frente, mas temos que dar todos. Eu tenho a certeza que conseguia pôr isto de pé, porque tenho as pessoas certas para me ajudarem, mas não faz sentido trabalhar para uma cidade desta forma, sozinho.

Quem devia participar mais?
Não podemos pôr só nas costas dos políticos a possibilidade destas questões acontecerem, ou não, as empresas da cidade têm que ser mais responsáveis em relação a este tipo de coisas. Isto só é possível a partir do momento em que nós decidamos todos: vamos ser suficientemente corajosos para fazer um bocadinho diferente do que trazer a Catarina Furtado para abrir o Palácio do Gelo. Uma cidade não vive só de pôr as Catarinas Furtados a fazerem uma visita ao Palácio do Gelo, vamos ser um bocadinho mais corajosos.

Tem sido muito crítico em relação à participação das empresas da região na vida cultural da cidade.
Eu acho as empresas da região provincianas. Não são provincianas na capacidade de gerar dinheiro, nisso são até muitíssimo cosmopolitas, agora, na forma como pensam a cidade, como olham para a cidade e como aproveitam as pessoas que estão na cidade, são completamente provincianas. Às vezes acho-me mal aproveitado aqui, na verdade, eu chego lá fora, sou considerado um grande e, às vezes, aqui custa-me ter que estar sempre, sempre, sempre (risos) a puxar… e assim não vamos lá. Devíamos ser mais lúcidos e mais oportunistas, no bom sentido, na forma como nos ajudamos uns aos outros. Eu não posso puxar pelo Teatro Viriato sozinho, como acho que a Visabeira não devia puxar pelas coisas que faz sozinha, como a Martifer, etc, devíamos trabalhar em conjunto, porque todos ganhávamos com isto. É sempre mais do mesmo, há muito pouca criatividade na forma como criamos acontecimentos que nos projectem para fora.

Qual é o catalisador que falta?
Não pensei nisso, mas tenho a esperança que as novas gerações possam vir a ser um bocadinho mais alternativas.

Mas se as empresas não respondem?
A maior parte das vezes nem se dá resposta. Eu olho para França e vejo que lá, esta percepção da forma como as políticas e as empresas se ligam à cultura, já deu frutos incríveis. E isto é o país, não é só Viseu, agora, era importante que algumas cidades pudessem ser alternativa e Viseu tem todas as condições para isso, porque é uma cidade com um charme incrível e quando falo de charme falo das pessoas e da forma como a cidade vive.

A cidade de Viseu mudou muito nestes dez anos?
A cidade é outra. Eu falo do Palácio do Gelo e da Catarina Furtado, mas gosto daquele espaço, como é óptimo haver o Fórum. Nós precisamos destas pequenas catedrais de consumismo, mas também é muito importante ter o centro histórico e a Rua Direita a funcionar. É importante ter uma cidade virada para o futuro mas com um passado de referência. É um trabalho que tem que continuar a ser feito.

"Há espectáculos que não cabem no Teatro Viriato"

Quais são as maiores dificuldades do programador do Viriato?
Um dos espectáculos do ano ("Platonov"), de Nuno Cardoso, não o pudemos levar ao Teatro Viriato, porque não cabe, a dimensão não permite grandes voos. Há espectáculos que gostaria de trazer a Viseu que não cabem no Teatro Viriato. Depois, há outra coisa, nós não temos uma plateia que possa cobrir o custo do espectáculo, porque, confortavelmente, há 200 lugares. É fácil fazer as contas, tínhamos que ter os bilhetes a 50 euros para podermos pagar uma produção média.

É para esses espectáculos que deve servir o novo Centro de Artes e Espectáculos, já anunciado?
Completamente. Não sei como vai ser, mas acho que não faz sentido ser uma sala igual [à do Teatro Viriato], não vale a pena.

E faz sentido uma sala de espectáculos maior?
Claro que sim. O Teatro Viriato não pode receber uma ópera, não pode receber um espectáculo de maior dimensão. Não sou fundamentalista, mas, falando de um Filipe Lá Feria com as suas produções, no Teatro Viriato não cabe. Viseu deve ter um equipamento que possa receber este tipo de produções. Ainda por cima, sendo as coisas bem articuladas, pode-se ter uma programação muito completa para a cidade, articuladas também em termos de recursos humanos.

O novo espaço deve ter uma programação autónoma?
Não me compete a mim dizer como deve ser, mas é importante que os dois equipamentos saibam o que estão a fazer. Por exemplo, não podem ter espectáculos nos mesmos dias, Viseu é uma cidade interessante, está a crescer e está a crescer bem, mas é uma cidade de pequena dimensão ainda. No fundo temos que trabalhar em complementaridade de forças.

O Teatro Viriato poderá ter outras missões que não fazem sentido em grandes salas de espectáculo?
Eu acho que a missão do Teatro Viriato é sobretudo aquela que estamos a fixar cada vez mais: a sua capacidade de ser um complemento educacional, de sensibilização, de um espaço de experimentação onde as pessoas vão descobrir coisas. O Teatro Viriato não é só um espaço de apresentação de espectáculos é uma espécie de embaixador cultural da cidade e da região.

Um dos trabalhos que mais se registou no terreno, foi a aproximação do Teatro às escolas. Reconhece que foi uma mais valia para as escolas?
Esse foi um dos trabalhos mais consequentes que fizemos ao longo destes dez anos. Sente-se nas escolas, nos alunos e sente-se muito nos professores, hoje os professores são os nossos maiores aliados. Isto não aconteceu de um dia para o outro, fomos trabalhando desde o princípio e hoje são as escolas que vêm ter connosco e são as escolas que respondem rapidamente a qualquer solicitação que nós enviemos. Um dos trabalhos mais consequentes do Teatro é aquele que não se mede pelo nível de público. Há um serviço público que é feito, que é muito mais abrangente do que só a apresentação dos espectáculos.

O trabalho que fazem com o público das escolas traduz-se em mais público para o Teatro?
Sente-se imenso. O ano passado houve um acréscimo de público jovem de mais de 20 por cento. O que constato é que, nos espectáculos que fazemos, temos cada vez mais jovens a assistir e que estão a ir, cada vez mais, em grupo, agora, se vão acompanhados pelos pais ou não, não sei responder.

Entrevista de Emilia Amaral in Jornal do Centro a 09 de Janeiro de 2009

Comments