Morreu humorista e comediante Badaró


O humorista e comediante Badaró morreu hoje aos 75 anos vítima de cancro, informou o filho.

Badaró, que estava internado no Instituto Português de Oncologia (IPO), faleceu durante a madrugada, e as cerimónias fúnebres realizam-se domingo, em Paço de Arcos.

As 10:30 realiza-se uma missa de corpo presente na Igreja de Paço d`Arcos e o corpo segue depois para a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, cumprindo o desejo do artista de que o seu corpo fosse entregue à ciência, disse Ruben Badaró.

Manílio Haidar Badaró, conhecido apenas como Badaró, chegou a Portugal em 1957 integrado no elenco da companhia brasileira "Fogo no Pandeiro", que durante dois anos manteve em cena um espectáculo de revista, em Lisboa.

O actor fixou residência no país e acabou por se naturalizar português, tendo trabalhado ao longo de décadas em teatro, rádio e televisão. Entre as várias personagens que celebrizou está o "Chinezinho Limpopó".
in LUSA

O outro lado do
“Chinezinho Limpopó”...

Foi nessa personagem – a do chinezinho mal tratado e espezinhado, aviltado na sua liberdade – que se celebrizou. Ainda hoje, crianças desse tempo já adultas, abordam-no na rua, e nos restaurantes que frequenta fazem questão de lhe pagar a conta. É que a personagem marcou gerações de crianças, contidas pelo autoritarismo progenitor...
Manílio Badaró, cidadão brasileiro naturalizado português, porque “estava farto de ser português para umas coisas, e brasileiro para outras”, vive há 50 anos em Portugal, aonde chegou com “Fogo no Pandeiro” uma revista que esteve dois anos em cena.
A sua vida parece marcada por doenças, próprias e alheias. Estreou-se no teatro e na rádio em substituição de comediantes que haviam adoecido, e foi radialista e comercial de uma grande estação de S. Paulo, a sua origem.
Entre nós, para além do chinezinho frágil de verbe certeira, deu corpo a personagens e expressões que marcaram o imaginário luso e foram pioneiras “antes do tempo”. Há trinta anos atrás, “Ó Abreu, dá cá o meu” era uma alusão clara ao polvo da corrupção que todos sabiam mas calavam. Badaró, não! A sua coragem trouxe-lhe “inimigos de estimação” e, antes que o corressem de antena, como fizeram a tantos outros, Badaró resolveu transpôr a porta e dedicar-se ao que sempre o fascinou: o contacto directo com o seu público, o calcorrear das aldeias, o tornear dos contrafortes da nossa interioridade, e o palco das colectividades onde pulsa o coração português... Mais tarde, porque os grandes senhores do espectáculo sabem sair de cena, afastou-se para o aconchego da sua casa de Paço de Arcos, o reconforto dos livros que devora diariamente, a aconchegante serenidade que lhe transmitem os quadros que se espraiam pelas paredes, e a sua espiritualidade afagada em leituras budistas e na filosofia clássica.
É um resistente, vive intensamente cada dia, e desafia a Doença de Parkinson que lhe devora a memória mais próxima. Mas transforma a adversidade em vantagem ao reler – incessante e sôfrego – as páginas repetidas de um livro. É que as doenças ele bem as conhece. Já teve um AVC, um enfarte, um cancro linfático, e continua a resistir nesse seu combate apaixonado pela vida que tem percorrido plena e feliz; por higiene mental, pelas mesmas razões que o levaram a afastar-se, porque regeita o “gratuito e a falta de gosto”. E porque é tarde, porque gostaria de ter sido uma espécie de “gato fedorento”, numa época em que o humor [e as liberdades] era reprimido a lápis azul.
A revolução de Abril substituiu-lhe a alegria, do momento, pela frustração do seu caminho. A censura [as pequenas censuras “intelectuais” dos gabinetes alcatifados] alimentou-lhe a ideia da existência de “pequenos Salazares” dentro da cabeça dos que mandavam no meio mediático. Foi assim que se afastou por de cima, como fazem as personagens maiores.
Não dá entrevistas, abomina os “crustáceos espirituais” – como gosta de dizer, citando Miguel de Unamuno – que povoam alguma da imprensa que não lê. Resistiu ao autor destas linhas, refugiou-se no argumento de quem não é vedeta. Essa conversa a ferros – não reproduzida por vontade do próprio – saiu solta, prolongou-se por duas horas e meia, entre referências avulsas à filosofia, à espiritualidade e às vivências, entre os miares maricas da gata [sua companheira dilecta] e o roçar leve da pelugem. Diz-se cadáver previsível, mas vagueia com fulgor pelos milagres da vida e os pequenos prazeres do dia-a-dia. Badaró, neto de diplomata e viajante do tempo, num contorcer mágico das mãos ainda debita: “o humor é um acto de violência”! E deixa um recado: “morram... e vivam felizes”. E é essa a sua contradição, porque Badaró – muitos anos ainda lhe restem – adquiriu a imortalidade.
António Pinho


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