Morreu o crítico de teatro e dramaturgo Carlos Porto

O crítico de teatro e dramaturgo Carlos Porto morreu quarta-feira aos 78 anos, em Lisboa, vítima de pneumonia, disse à agência Lusa fonte próxima da família.

Carlos Porto, pseudónimo de José Carlos da Silva Castro, nasceu no Porto em 1930 e notabilizou-se sobretudo na crítica de teatro durante quase cinquenta anos, sobretudo no Diário de Lisboa e no Jornal de Letras.

Um dos fundadores da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, Carlos Porto deixou obra como poeta, dramaturgo e tradutor, estando publicados, entre outros, "10 Anos de Teatro e Cinema em Portugal 1974-1984", "O TEP e o teatro em Portugal", "Fábrica Sensível" e "Poesia Cega".

Maria Helena Serôdio, directora da revista Sinais de Cena e amiga do crítico de teatro, recordou hoje à agência Lusa que Carlos Porto "foi um dos grandes fazedores de opinião pública em termos de teatro".

"Era um crítico muito respeitado e por vezes muito temido, que provocou algumas polémicas, mas que respondeu sempre com coragem e frontalidade", disse Maria Helena Serôdio, reforçando o papel que Carlos Porto teve na década de 1970 na divulgação do trabalho de Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo.

Foi, sobretudo, no Diário de Lisboa que Carlos Porto se destacou, disse Maria Helena Serôdio, "como combatente absolutamente decidido e corajoso sobre a liberdade do teatro, sobre a inovação e sobre o profissionalismo".

O corpo de Carlos Porto estará em câmara ardente a partir das 17:00 na Igreja de Arroios, em Lisboa.

O funeral foi na quinta-feira para o cemitério dos Olivais, em Lisboa.
in LUSA (adaptado)


"MAIS BELO QUE O MAIS BELO GOLO DO EUSÉBIO"
Carlos Porto dedicou mais de meio século da sua vida ao estudo e à divulgação do teatro em Portugal nas suas mais diversas vertentes, em particular a crítica. Com uma liberdade de expressão invejável, é tão rigoroso quanto lhe exige o seu olhar, tantas vezes polémico: cortante quando o espectáculo o merece, mas também tão arrebatador e desassombrado, que não tem pudor em substituir o tradicional bravo! por um popular gooooolo!


UM CRÍTICO DE TEATRO APAIXONADO E RIGOROSO
A homenagem dos autores ao seu par Carlos Porto, após mais de meio século dedicado à crítica teatral e, com ela, à realidade sócio-política, clara, simples, apaixonada, mas sempre rigorosa, constituiu uma verdadeira surpresa para aquele que foi um dos sócios fundadores da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, em 1984.
No âmbito da 82.ª sessão do ciclo "A Dramaturgia e a Prática Teatral", organizada por Jaime Salazar Sampaio, que vem decorrendo no Auditório Carlos Paredes, a SPA, com o apoio da sua companheira de sempre e "musa" permanente, Teresa Porto, conseguiu reunir uma série de amigos e íntimos da sua prática literária, nas várias áreas, fazendo desta sessão, simultaneamente, um espectáculo e um debate sobre o teatro em Portugal e a sua pessoa, enquanto ser humano e como testemunho vivo da história que ajudou a escrever.
Abriu a sessão, no dia 11 de Outubro, José Jorge Letria, Vice-Presidente e Administrador-Delegado da SPA que se apresentou não só como representante da cooperativa, mas também como amigo de Carlos Porto, tendo-se seguido uma exposição detalhada sobre Carlos Porto por parte da crítica teatral e professora Maria Helena Serôdio, que o considerou o seu guia imprescindível e o classificou como "o nosso Special One", quando se referiu à sua eleição por unanimidade a presidente honorário da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro.
Para além de muitas mensagens de amigos que não puderam estar presentes, mas que foram lidas na ocasião, entre elas as do encenador Castro Guedes e da crítica jornalística Eugénia Vasques, falaram sobre o crítico, investigador, analista e redactor de teatro, do poeta, tradutor, compositor dramatúrgico e narrador que é Carlos Porto, entre outros, o encenador Joaquim Benite, o jornalista e escritor Baptista-Bastos, a actriz e encenadora Fernanda Lapa e o crítico teatral Fernando Midões.
Mas dois pontos altos assinalaram esta homenagem: uma leitura encenada de textos de Carlos Porto, produzida por vários amigos que se juntaram expressamente para este acontecimento, e, a finalizar, a interpretação da cantora Amélia Muge, que surpreendeu verdadeiramente o homenageado.
A SPA entregou uma placa comemorativa do evento a Carlos Porto e um ramo de flores a Teresa Porto, mais uma vez, cúmplice nesta "etapa" da sua vida. Parafraseando a arrebatadora crítica do homenageado, poderíamos declarar que o espectáculo que constituiu a sua vida e o seu trabalho precioso, aqui resumido, foi "mais belo que o mais belo gooooolo do Eusébio!"
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ESCRITAS DE UMA VIDA DIVERSIFICADA
Carlos Porto nasceu no Porto, em 1930. Crítico de teatro desde 1958, iniciou a sua actividade no quinzenário "A Planície" (Moura), órgão do movimento cultural "Convívio". Tem colaborado em publicações nacionais e estrangeiras.
Colaborou em "Portugiesische Literatur", sob a orientação de Henry Tourau, edição da Suhrkamp/1982-83. Foi crítico de teatro nas publicações "Flama", "Notícia", "Vida Mundial" e "Ponto", assim como na RDP.
Foi, durante dezenas de anos, colaborador do Diário de Lisboa até ao encerramento deste jornal.
Coordenou a secção portuguesa das obras "Escenario de dos mundos" (Espanha) e "Dictionnaire Encyclopédique de Theatre" (França). Colaborou na obra "Portugal Contemporâneo" dirigida pelo historiador António Reis e é responsável pela secção de teatro da "Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira". Orientou um seminário sobre Teatro Português na Universidade de Salamanca. Cofundador das Livrarias e Galerias "Divulgação" (Porto, Lisboa e Viana do Castelo), e "Opinião" (Lisboa).
Foi homenageado pelo Festival Internacional de Teatro de Almada, em 1995.
Colabora, actualmente, na biblioteca da Sociedade Portuguesa de Autores.

Livros Editados
_"Poesia Portuguesa do Pós-Guerra, 1945-1965", Ed. Ulisseia, 1965
_"Plano - Cadernos Antológicos de Cinema e Teatro", Publicações Dom Quixote, Porto, 1965/68
_"Poesia 70" - Selecção de Egito Gonçalves e Manuel Alberto Valente, Ed. Inova, Porto, 1971
_"Em Busca do Teatro Perdido", (2 vols) Plátano Editora, 1972
_"Coisas" - Antologia dirigida por Victor Silva Tavares, 8 etc., Lisboa, 1974
_"10 anos de Teatro e Cinema em Portugal" (1974/1984), em colaboração com Salvato Teles de Menezes - Ed. Caminho, 1985
_"Fábrica Sensível", (ficção) - Ed. Cotovia, 1992
_"Livrarias & Livreiros, (1945/1994) - Histórias Portuenses" - Ed. Livraria Leitura, 1994
_"O TEP e o Teatro em Portugal (Histórias e Imagens)", Fundação Eng. António de Almeida, 1997
_"FITEI - Pátria do Teatro de Expressão Ibérica", Fundação Eng. António de Almeida, 1997
_"João Guedes: Retrato incompleto de um Criador Teatral" em "Homenagem a João Guedes", Ed. Afrontamento, Matosinhos, 1997
_"Poesia Cega", Ed. Campo das Letras, Porto, 2000

Traduções
_"Crisótemis", de Yannis Ritsos, Edição O Oiro do Dia, 1981
_"Festas de Loucos e Carnavais", de Jacques Heers, Publicações Dom Quixote, 1987
_"Os Bairros Elegantes", de Louis Aragon, Ed. Caminho, 1990
_"Introdução à Análise do Teatro", Edições Asa, 1992
_"O Diabo é o Aborrecimento", de Peter Brook, Edições Asa, 1993

Trabalhos Teatrais
_"Crisótemis", de Yannis Ritsos (Versão e Dramaturgia) - Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II
_"Comédia à Moda Antiga", de Alexei Arbuzov (Versão e Dramaturgia) Novo GrupoTeatro Aberto
_"O Jardim das Cerejeiras", de Anton Tchekov (Versão e Dramaturgia) TEAR
_"Palatonov", de Anton Tchekov (Versão) TEUC
_"O Carteiro de Neruda", de Antonio Skarmeta (Adaptação e Dramaturgia) Companhia de Teatro de Almada
_"Viagens na Minha Terra", de Almeida Garrett (Adaptação e Dramaturgia) Companhia de Teatro de AlmadaEncontros ACARTE.


VÁRIAS GERAÇÕES APRENDERAM COM ELE A VER E A GOSTAR DE TEATRO
Sei que estou a falar para quem conhece o Carlos Porto, para quem, por isso mesmo, sabe reconhecer o seu valor cultural, a importância decisiva do seu testemunho crítico para a reconstituição de parte importante da história do teatro em Portugal na segunda metade do século XX e inícios do novo milénio. É, por isso, companheiro - na responsabilidade que partilhou - de outros grandes intelectuais portugueses que enriqueceram o debate em torno do teatro, cada um a seu modo, como foi o caso de Jorge de Faria, António Pedro, Jorge de Sena, Urbano Tavares Rodrigues, Deniz Jacinto, Eduardo Scarlatti, Luiz Francisco Rebello ou Osório Mateus, para citar alguns dos que reputo como mais importantes.
E porque falo para uma plateia cúmplice no conhecimento do homenageado, não estarei a revelar nada que não saibam já. Mas não posso deixar de publicamente lhe agradecer o muito que me ensinou ao longo de tantos anos, a presença amiga e compreensiva com que me guiou em muitos passos nesta relação com o teatro e a crítica, e sobretudo o exemplo que sempre deu de compromisso com o teatro, com a história, com o mundo, aquém e além fronteiras.
Repito palavras que escrevi há tempos no JL - Jornal de letras, artes e ideias (de 28 de Fevereiro de 2007): "Com ele aprenderam várias gerações a ver e a gostar de teatro, sentindo que essa arte estava integrada na respiração da cidade e se inscrevia na agenda de todos os que queriam participar (ainda que só em espírito e modestamente) na vida cultural do seu tempo. A sua figura - esguia, ágil, atenta e afável - e a sua escrita - em estilo acessível e cativante - fizeram dele um guia imprescindível até porque, mesmo discordando ou não gostando de um espectáculo, abria sempre caminho para a sua discussão".
Na verdade, a sua participação na vida do teatro foi sempre de uma militância cultural que nunca prescindiu da paixão, da alegria (e da tristeza), da vontade de manter vivo o debate e reclamar a importância do teatro para a vida cultural portuguesa. Vi-o reconhecer importância a espectáculos de que não terá gostado tanto; vi-o gostar de espectáculos que não seriam perfeitos; vi-o também discutir o que para muitos seriam espectáculos irrepreensíveis. Enfim, vi-o, assim, posicionar-se na relação com o palco de uma forma intensa, não dispensando a relação emotiva, nem a exigência intelectual, nem a creditação estética, nem o requisito ético, nem a avaliação política. Sabendo sempre, afinal, ser homem inteiro, sem arrogância, temerário, e cabendo na sua prática a respiração colectiva. Foi, de facto, e conjuntamente com Luiz Francisco Rebello, quem melhor procurou criar e reforçar uma Associação de Críticos de Teatro, mesmo em tempos em que o individualismo e a dificuldade de conversa entre "pares" pareciam já dispensar a prática associativa e o trabalho em grupo. Por isso a Associação Portuguesa de Críticos de Teatro o elegeu por unanimidade o seu Presidente Honorário: definitivamente o nosso Special One, se me permitem a imagem desportiva.
Não será, de resto, metáfora impertinente: lembro-me bem do Carlos Porto em Coimbra, no Congresso Luso-Espanhol (1987) a avocar para si, enquanto crítico, o gosto de gritar "gooooolo" quando sentia a vibração e qualidade de um espectáculo.
No livro Teatro em debate(s), que publicámos em 2003, reunimos as comunicações que foram apresentadas no 1.º Congresso do Teatro Português realizado na Fundação Calouste Gulbenkian em 1993. Relemos as intervenções de Carlos Porto e identificamos nelas a sua assumida paixão pelo compromisso, sempre disponível para o debate, e sempre atento à relação do teatro com a vida. Falou, por isso, do "sentido trágico do teatro", afinal, do seu sentido verdadeiramente social, e relembrou como no Brasil, na Austrália, em países do Golfo Pérsico, em tantos lados o teatro tem sabido medir o mundo de encontro a idealidades que não podemos dispensar. Permitam-me que leia aqui um curto excerto de uma das suas comunicações:
"O sentido trágico do teatro, como o seu sentido social, pode ir mais longe. Se a ferida que o mundo exibe é a imagem da nossa própria desolação, o teatro representa, exige-se que represente, a outra face do combate, esse combate que, como homens de teatro, não podemos deixar de enfrentar.
Na nossa política de todos os dias, na insignificância dos nossos despeitos, dos nossos ódios e das nossas mediocridades, não podemos aceitar, não podemos deixar de rejeitar, que o Poder, seja ele qual for, não aceite a condição mais profunda e mais íntima, também a mais dolorosa, da nossa tarefa, do actor ou do encenador, do autor ou do músico, do cenógrafo, do figurinista, do técnico, do crítico, essa condição que é, para os melhores de nós, os mais puros, a tarefa de toda a vida, o sacrifício de toda a vida.
(...) Devemos aceitar e tornar aceitável o (...) sentido social [do teatro]. Como o da vida. E fazer dele um archote que ilumine o nosso caminho, todos os caminhos."
Esta extraordinária combustão de exigências, e este acerado gosto pela arte e pela vida, fizeram de Carlos Porto atreito a várias paixões: em todas elas há a coerência do que Shakespeare identificava como a razão imaginativa do "louco, do amante e do poeta" (Sonho de uma noite de Verão, v, 1, 7). Por isso, e para além da crítica, da análise, da documentação e da história que investigou e redigiu sobre teatro, ele escreveu poesia, traduziu dramaturgos, assinou composições dramatúrgicas (que todos vocês conhecem). Mas gostaria de destacar aqui sobretudo a narrativa - Fábrica sensível (1992) - que se revelou de uma indiscutível originalidade, por cerzir - de forma brilhante - a prática da crítica, o amor pelo teatro, o profundo conhecimento da dramaturgia universal, um desbragado gosto pela efabulação, e a paixão pela actriz - a sua "diva" Sónia dos Santos - afinal, a refracção ficcional da musa, que nós todos conhecemos bem e que aqui também quero homenagear: a sua (e nossa) Teresa.
Foi Jorge Listopad quem levou à cena, na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, esta Fábrica sensível. Releio frases que escrevi em 1996 sobre este espectáculo no JL - Jornal de letras, artes e ideias:
"Parte de um capítulo do romance Fábrica sensível, que é, pelo menos formalmente, uma sequência de (supostas) críticas de teatro, e como autores primeiros - de texto e encenação - apresenta dois... críticos de teatro. A ordenar a lógica ficcional está uma sobreposição de discursos: crítico, narrador, actores, personagens, memórias de si e dos outros, memórias de outros textos (principalmente dramáticos), monólogos que são atormentados diálogos inventados, tudo numa curiosa indistinção de vozes (diríamos de rumores) e de processos criativos.
O texto ronda procedimentos da heteronímia pessoana e não está isento de alusões a Pirandello, mas outros universos se insinuam ainda como referentes obsessivos, como são os de Shakespeare, Tchekov e Beckett, não faltando mesmo algum imaginário ultra-romântico. Sucedem-se declarações sobre a verdade do teatro e a ilusão da vida, a sobreposição infinita de máscaras, o estilhaçar do rosto em mil espelhos, etc. (...)
Esta oscilação (ou indecisão), que assim se cria, é habilmente potenciada pelo jogo cénico: na encenação subtil e judiciosa de Jorge Listopad, na expressiva cenografia de José Manuel Castanheira (...), na esplêndida interpretação de João Grosso, acompanhada, de resto, pelo registo discreto e inteligente de António Rama e a presença tranquila de Isabel Ruth e Alexandra Rosa".
Carlos Porto é, portanto, por estas muitas razões que aqui citei, um homem plural, um curioso compulsivo, um apaixonado militante. Argumentos suficientes para eu aqui deixar o meu testemunho de admiração e carinho. Venha de lá um abraço!

Maria Helena Serôdio


NÃO SE FIXAVA NUMA IDEIA PRÉ-CONCEBIDA
Na impossibilidade de estar fisicamente presente por razões profissionais, não quis deixar de tornar público este testemunho.
Tive várias (diria muitas) e por vezes violentas polémicas com o Carlos Porto nas páginas do "DL". No seu percurso de crítico, tanto disse que eu era "um dos mais criativos encenadores do teatro português", como disse, noutra ocasião e noutro contexto, que certo espectáculo que eu encenara se tratava "na verdade, de uma autêntica parvoíce"!
Este aparente paradoxo, hoje, permite-me ver a sua grandeza intelectual e o seu profundo amor e respeito pelo teatro. O Carlos Porto não se fixava numa ideia preconcebida sobre um criador. Era com paixão que se manifestava espontaneamente, não tendo sequer temido classificar "mais belo que o mais belo golo do Eusébio" um brilhante espectáculo do Teatro Experimental de Cascais.
Para dizer mal (e quando se tratava de "bater" ele também era desmesurado) ou para dizer bem, todos estávamos à espera do que vinha nas páginas do "DL". Mesmo que fosse para uma polémica. A que não se furtava. Honrado e amigo da verdade e da liberdade de expressão dos outros como sempre foi. Ao contrário, bem ao contrário, de certas práticas de uns "pasquinetes" que se acham dotados de novo lápis azul para silenciar quem os não acompanhe. (A eles ou aos seus donos).
E se aqui falei no passado é porque é de memórias que se constrói o futuro e no futuro - e já no presente - o Carlos Porto tem lugar marcado no teatro português.
Receba o meu caro Carlos o abraço sincero, respeitoso e apertado do seu velho crítico,

Castro Guedes


UM PROFESSOR COM HUMOR E PACIÊNCIA
Faz hoje um ano e um dia, escrevi para o Carlos Porto um pequeno texto destinado à homenagem do "JL". Nessa curta homenagem, lembrei o trabalhador de teatro que, ao longo de cerca de 50 anos - meio século de actividade sem descanso!! - se dedicou ao teatro como arte maior da sua lira.
Hoje, ausente por imperativos de saúde, venho, nesta muito merecida homenagem da SPA, lembrar somente o meu professor do Conservatório Nacional. É verdade: o Carlos Porto foi meu professor de Crítica Teatral e com ele vimos, eu e a minha turma (onde pontificava a Mila Castanheira), espectáculos que apupámos ligeiramente, criativamente (no Teatro da Graça, no Teatro Aberto!), ou que apreciámos com a mesma generosa juventude (o Huis Clos encenado pelo Listopad, por exemplo!). O humor e a paciência do nosso cicerone eram inexcedíveis e divertimo-nos todos, com a Teresa como cúmplice, ainda durante alguns meses nesse distante ano de 1978 ou 1979, já não recordo bem.
Bem sei que esta é uma ocasião em que é a obra do dramaturgo que estará a ser o principal alvo de escrutínio. Contudo, também a personalidade do Carlos e o seu exemplo são para mim... obra do teatro. Tenho-o, diante de mim, emoldurado, em foto tomada no Algarve pelo Jorge, quando, com o Rui, a Hélia e a Teresa, nos deslocámos para um curso de escrita crítica que organizei. É ao seu ombro amigo que me encosto, tal como foi no seu exemplo de dedicação ao teatro que me inspirei - que me encostei -, quando decidi enveredar pela crítica jornalística. Guardo, para mim, todos os seus raros conselhos e palavras de irónica sabedoria. Para lhe dar só um pequeno presente: a minha inabalável amizade. Um abraço amigo, Carlos, da

Eugénia Vasques


A HONRA E A INTEGRIDADE
Há uns tempos escrevi, sobre Carlos Porto, que "o seu exercício crítico é, sobretudo, um manifesto de paixão. Mas, também, a demonstração da dignidade, da integridade e da honra". O homem de quem hoje aqui falamos não é somente aquilo que eu disse; aquilo que eu disse é muitíssimo pouco para a grandeza intelectual, cultural e humana de Carlos Porto.
Conheci-o muito antes de, pessoalmente, o conhecer. Lia-o, sabia dele através dessa espantosa comunidade de afectos e de conivências que foi a dos camaradas antifascistas. Um estilo que explicava o estofo do homem: claro e simples, pedagógico e advertente. A crítica de teatro, exercida durante décadas, impulsionava-a não apenas o rigor e, claro!, a paixão (que podem muito bem relacionar-se), mas, sobretudo a noção de que o texto não é nunca assimétrico à realidade sócio-política que o ilumina e justifica.
Esta defesa intransigente de uma ética, associada a uma estética, fazia-nos a descoberta vertiginosa de que a arte (toda a arte) para o ser e enquanto tal, terá de dar, sempre e sempre, notícias do homem. Não unicamente do que determina as acções e os comportamentos do homem, mas, também, dos alvoroços que percorrem os corações dos homens.
O magistério de Carlos Porto surpreendia, por original e corajoso, num intelectual de formação marxista. Porém, ele adiantava-se ao seu tempo: lera Althusser e Goldmann, estudara as propostas que surgiam e que pareciam adivinhar os tenebrosos tempos futuros. O regresso aos clássicos, subtilmente alvitrado pelo grande crítico, está esparso em numerosos dos seus textos. A futuridade como categoria filosófica e como advertência para os erros cometidos, e aceitos pela obediência dos ignorantes e pelas mesuras da servidão. Com uma raríssima inteligência, dissimulada, por excessiva modéstia, em silêncios certamente penosos, Carlos Porto ouvia-os sem desprezo, mas transversalmente à ironia mais ácida de que era capaz.
Estivemos, ambos, em locais complicados e em situações perigosas. E era impressionante ver este homem, aparentemente tão frágil, agigantar-se e incutir nos outros a coragem que, momentaneamente, poderia faltar-lhes. Parecia, nessas ocasiões, animado por um fogo interior, como se toda a sociedade estivesse dentro dele próprio, numa relação inseparável com o futuro. A sua resistência entrefigurava-se, por absurdo, completamente irrealista. Mas ele sabia e sabe que não há conquista sem luta, nem luta sem sofrimento. E que quando um homem quer, consegue tudo (ou quase tudo) quanto quer.
Já o disse, e repito-o: ele nunca cultivou o maniqueísmo tão comum a quem existe obcecado por obscuras crenças. É um espírito racional, que soube aliar Montesquieu a Montaigne, Spinoza a Marx, que tem pleiteado a causa do humano e defendido que tudo está ao alcance do nosso coração. Um homem cheio de pudor e de escrúpulos, um ser incomum, um importante intelectual português. E um dos homens mais livres que conheço.

Baptista-Bastos


ALGUMAS PEÇAS SOLTAS DO SEU OPINAR
"A poética teatral é que mais profundamente identifica o trabalho do encenador..."
Carlos Porto

Teatro Aberto

O Suicidário (The Suicide)

"Um grande espectáculo, certamente a inscrever entre os grandes espectáculos do Portugal livre"

"Por momentos passa pelo palco do Teatro Aberto a luz intensa, quase insuportável, do génio"
Diário de Lisboa, 1983.02.22

O Tempo e o Quarto (Top Girls)

"Um texto inventivo, um trabalho de encenação notável e um grande elenco. A ver sem falta"
Jornal de Letras, 1993.08.31

Íbis

Em 1980, em Lisboa, Paulo Filipe Monteiro fundou o grupo Íbis. Em 1981, estreou o espectáculo Drama em Gente: Exposição Teatral sobre Fernando Pessoa, de que fez a dramaturgia e a encenação, e em que participou como actor; ganhou com este espectáculo o Prémio Revelação 1981 da Associação Portuguesa de Críticos de Teatro. Exclama o crítico:

"Caramba! não pode ser! Certamente sonhei! Um espectáculo revolucionário (...), saudavelmente provocatório, emocionante sem deixar de arrancar algumas boas gargalhadas (...), cheio de imaginação (...). Um espectáculo que se segue e que se assume como uma experiência vital que não poderá deixar de ser inesquecível"

A Escola da Noite

O projecto d'A Escola da Noite foi reconhecido, em 1992, como um dos mais interessantes surgidos no panorama teatral da altura. Sobre Amado Monstro escreveu:

"(...) Um bom trabalho e um princípio auspicioso."

"Amado Monstro é como texto, como diálogo uma peça notável mesmo que aparentemente menor. A encenação foi dos próprios intérpretes, António Jorge e José Neves, e permitiu, pelo menos, a revelação de um cenógrafo, João Mendes Ribeiro, que criou um espaço depurado, de um grande rigor, uma zona de grande qualidade arquitectónica onde paira um toque de Bauhaus. Um solo fortemente inclinado sinaliza o desequilíbrio das duas personagens e das situações. António Jorge revela ainda alguma insegurança, ao contrário de José Neves, actor já com experiência e que confirma aqui um talento indiscutível. Enquanto António Jorge se mexe, de acordo com a situação, ele está sentado e praticamente imóvel durante todo o tempo, criando a sua personagem através da voz e das tensões que a sua presença levanta. Um belo trabalho. Teatro para ver em Coimbra, portanto"
Jornal de Letras, 1992.04.07

... e sobre Mandrágora

"(...) O mais belo espectáculo em cena"
Jornal de Letras, 1993.07.20

Companhia de Teatro de Almada

Fazedor de Teatro (O), de Thomas Bernhard

"Morais e Castro oferece um trabalho irradiante de criatividade, num grande espectáculo, demonstração de um teatro de qualidade"
Jornal de Letras, 2004.03.27

Companhia Teatral do Chiado

A Casa da Boneca

"Não é a primeira vez que a CTC se interessa por Ibsen, desta vez, suponho, com uma intensidade, uma verdade, uma qualidade estética que o justifica. O elenco interpretativo é responsável por essa qualidade, sendo justo salientar o trabalho notável da actriz Vanessa Agapito"
Jornal de Letras, 2005.02.02

As Obras Completas de William Shakespeare em 97 Minutos

"Situações de grande comicidade que se deve ao texto, à tradução, ao ritmo imposto pela encenação e ao trabalho interpretativo"
Jornal de Letras, 2005.02.02
in Dossier SPA

Comments

Rui Rebelo said…
O Teatro está de luto.
Nuno Góis said…
Mais vale tarde que nunca