Troféu Latino: Luís Miguel Cintra elogia júri por coragem de distinguir teatro





O actor e encenador Luís Miguel Cintra, distinguido com o Troféu Latino 2008, elogiou hoje "a coragem" com que o júri do prémio "ousou identificar o teatro" com os objectivos da União Latina, de difusão da herança cultural latina.
"Tenho consciência de que o [meu] trabalho escapa ao que mais facilmente se podia esperar ver recompensado por uma organização como a União Latina, que diz ter por objectivo evidenciar e difundir a herança cultural e as identidades do mundo latino. O teatro não costuma ser admitido nessa zona", sustentou Luís Miguel Cintra, na cerimónia de entrega do prémio, realizada no Instituto Camões, em Lisboa.
Admitindo que um prémio representa "sempre um momento difícil" para si, porque o obrigam a um confronto com a sua imagem pública - na qual quase nunca se reconhece - o director do Teatro da Cornucópia declarou: "Alguns me têm honrado, outros me têm repugnado".
No caso do Troféu Latino 2008, considera "importante a opinião" dos que o escolheram e "honrosa" a lista de pessoas premiadas que lhe antecederam, da qual constam o cineasta Manoel de Oliveira (2002) e o historiador José Mattoso (2007), que estiveram presentes na sessão e aos quais prestou homenagem.
"Entre eles está, aliás, uma pessoa de quem sou muito amigo, a cuja obra o meu trabalho de actor está profundamente ligado e com cujo exemplo muito tenho aprendido: o realizador Manoel de Oliveira", sublinhou.
Sobre José Mattoso, que acompanhou na cerimónia de atribuição do Troféu Latino do ano passado, Cintra afirmou: "É-me grato suceder a alguém que nessa ocasião me quis associar à sua `crença na misteriosa força que faz o homem ser homem e o leva a confiar na sua capacidade de regeneração` e que vê no meu trabalho `um meio de celebrar a vida ou de procurar o seu sentido`".
"Não sei se terei a imodéstia de dizer que nessa imagem me reconheci, mas sei que me foi grato perceber que há qualquer coisa no trabalho que faço que pode levar a que, por essas razões, me chamem companheiro", observou.
Quanto aos argumentos apresentados pelo júri - presidido pelo pensador e ensaísta Eduardo Lourenço (galardoado em 2003), também presente na cerimónia - para lhe atribuir o prémio, Luís Miguel Cintra afirmou ser-lhe "difícil reconhecer" que contribuiu "para difundir os valores ligados à Latinidade", por entender que é um "conceito que não é fácil definir" e porque não foi seu "objectivo consciente", embora goste de se sentir "herdeiro de uma cultura do sul da Europa".
"Mas entendo - contrapôs - que os valores por que agora me premeiam são valores opostos aos valores do mercado que neste nosso tempo regem as artes do espectáculo e começam a limitar a sua liberdade".
"O que este júri agora reconhece naquilo que tenho feito, julgo ser, de facto, um valor oposto a esses: é uma minha grande e consciente teimosia, a de prezar a memória do que outros viveram antes de mim e ser fiel a uma consciência da História que no nosso tempo me parece por demais desprezada", precisou.
O actor e encenador rejeitou, contudo, que o seu trabalho "tenha vindo a ser o de `divulgação das grandes obras de teatro`".
"Não quis fazer `divulgação`. A minha relação com o público só a reconheço como de igual para igual (...) Partilho com os outros o que mais me interessa a mim. Por isso, tantas vezes tenho sido acusado de fazer espectáculos difíceis quando tento apenas fazer espectáculos interessantes", comentou.
Também não se revê no argumento do júri que o aponta como criador de "uma escola de teatro de grande projecção cultural".
"Infelizmente, a `projecção` do nosso trabalho na sociedade capitalista em que vivemos é difícil, porque tem de lutar com a própria mentalidade do chamado grande público e com uma subtil nova censura (...) A `grande projecção social` do nosso trabalho creio, de facto, que não a consegui. Só algum prestígio criado por muitos anos de persistência", referiu.
A cerimónia de entrega do galardão a Luís Miguel Cintra contou com a presença do secretário-geral da União Latina, Bernardino Osio, da representante da União Latina em Portugal, Maria Renée Gomes, do secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus, Manuel Lobo Antunes, e da cenógrafa e figurinista da Cornucópia, Cristina Reis, além da anfitriã, a presidente do Instituto Camões, Simonetta Luz Afonso.

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