"Le Cirque Invisible" na Culturgeste






Na sexta-feira, dia 27 de Junho, às 21h30, no Grande Auditório da Culturgest, terá lugar Le Cirque Invisible, projecto de Jean-Baptiste Thierrée e Victoria Chaplin, filha de Charlie Chaplin. Com uma simplicidade desarmante e uma imaginação sem limites, os dois intérpretes levam-nos, fantasia após fantasia, a um mundo mágico que tanto tem de fascinante como de familiar.

Le Cirque Invisible vai estar em cena até 1 de Julho.

Os bilhetes têm o preço de 25 Euros; jovens até aos 30 anos têm o preço único de 5 Euros.

“Não somos capazes, com as nossas pobres palavras, de vos dar uma ideia do que é este momento de graça que nos lava de toda a maldade do mundo e nos remete para o que de melhor palpita em cada um de nós, a infância.”
Armelle Herliot, Le Figaro


Victoria Chaplin é a quarta filha de Oona e Charlie Chaplin. Estudou dança e música clássica. Em 1969 encontra-se com Jean-Baptiste Thiérrée, filho de operários, aprendiz de tipógrafo, mais tarde actor. Juntos fundam, em 1971, o Cirque Bonjour, o primeiro exemplo do que veio a chamar-se “Novo Circo”.

Ao longo de trinta anos produziram apenas três espectáculos: o Cirque Bonjour, o Cirque imaginaire e, desde 1990, o Cirque invisible. Thiérrée teria preferido ter feito só um, e aperfeiçoá-lo constantemente.

“O seu circo é invisível porque se limita ao círculo da pista, desenhado no palco. Estão sozinhos. Atrás das cortinas pretas, pessoas encarregues do guarda-roupa, dos acessórios e maquinistas estão numa roda-viva, porque tudo repousa na metamorfose, num movimento perpétuo das formas. A palavra-chave podia ser a magia, porque Thierrée é um grande prestidigitador que faz surgir mil objectos, pássaros, ratos, coelhos […]. Mas esta prática da ilusão integra-se num conceito mais largo, um vasto jogo, burlesco e estético, com as regras que regem o mundo. As aparições de Jean-Baptiste movem-se num registo de fantasia cómica, mas nada aí se passa como na vida, as leis da atracção terrestre aí não funcionam. Até a proeza anunciada pode não acontecer, dando lugar a uma graça. As entradas em cena de Victoria, bailarina, equilibrista e escultora do seu corpo até às curvas extremas do contorcionista, criam universos plásticos em que compõe quadros fantásticos, frequentemente com formas de animais, jogando com objectos cujos aspecto e sentido são invertidos.”
Gilles Costaz, Les Echos


Nasci em Maio de 1937. Fui concebido a 15 de Agosto de 1936, quando houve as primeiras férias pagas. Isto significa que sou um filho da utopia: sem a Frente Popular e as novas esperanças da classe operária o meu pai – que era torneiro numa fábrica da Renault – não teria considerado a possibilidade de ter outro filho depois do meu irmão (que já tinha oito anos em 1936). Mas os tempos eram optimistas naquele Verão de 1936 (…). Quando nasci, em 1937, o desencantamento social já tinha chegado. O meu avô materno tem uma origem misteriosa… porque foi encontrado num caixote do lixo no n.º 130 da Rua d’Aboukir. A porteira primeiro assustou-se quando viu o caixote a mexer, pensando que se tratava de um gato! Leva então o bébé à polícia, onde o baptizam com o apelido do comissário – “Clément”. Quanto aos nomes, atribuem-lhe nada menos que os dos sete sargentos que ali estavam! Depois foi entregue a uma família de camponeses de Morvan , como era normal nessa época. Aliás, o meu pai, igualmente uma criança abandonada, foi, também ele, deixado numa quinta. Foi assim que os meus pais se encontraram, ele órfão, ela filha de órfão, numa aldeia de Morvan.

Ambos sem terra (as crianças recolhidas no campo não herdam as terras), vão para Paris à procura de trabalho. O meu pai trabalhou em vários pequenos ofícios. Um dia, quando era moço de recados de um banco nos Campos Elíseos, cruza-se, em frente do Hotel Claridge, com Charlie Chaplin e o boxeur Georges Carpentier. Uma fotografia imortaliza esse momento, e nela se vê o meu futuro sogro com o olhar fixo na multidão e precisamente dirigido a um homem de fato-macaco azul: o meu pai. Os dois homens olham-se nos olhos, como se tivessem, um e outro, a memória do futuro. O meu pai estava sempre a falar-me de Chaplin, era doido por ele. Dizia-me muitas vezes que esse homem compreendia o mundo da fábrica e que tinha o dom de fazer filmes que comoviam toda a humanidade.

A minha mãe tornou-se então vendedora de luvas e o meu pai entrou na Renault como torneiro. Em 1943 foi levado para a Alemanha pelo STO (Serviço de Trabalho Obrigatório) para substituir operários alemães que tinham sido enviados para a frente de combate russa. O meu pai viveu, assim, em Hamburgo debaixo dos bombardeamentos e entre ruínas. Quando voltou para França dois anos mais tarde, estava magro e faminto, mal o reconheci.

Neste ambiente onde nasci, absolutamente nada me destinava ao mundo do espectáculo! Com catorze anos, um teste de orientação profissional envia-me para uma tipografia! (…). Uma cerimónia escabrosa - asquerosa - por que me fizeram passar por ser caloiro, mudou brutalmente o meu destino… Humilhado, furioso, parti a cara ao meu chefe de oficina e fui imediatamente despedido. Decidi voltar a pé para a praça Voltaire onde vivia então com os meus pais num minúsculo T1. (…). Estava muito chateado porque não sabia como dizer aos meus pais que tinha sido despedido. Ao passar pelo Théâtre de la Porte Saint-Martin, li um anúncio: o teatro procura um ponto. Candidatei-me, mas disseram-me que era muito novo. Fui-me embora com as mãos a abanar mas deixando, apesar de tudo, a minha morada. Nessa mesma tarde vieram procurar-me: tinha sido o único a responder ao anúncio.
No dia seguinte descobri um novo universo. Eu, que nunca tinha ido ao teatro, estava a trabalhar como ponto numa opereta, dentro de um cubículo, na parte da frente do palco. Durante algumas semanas vi tudo de baixo para cima! (…). Assim introduzido – ou, se me posso exprimir desse modo, lançado no mundo do teatro através da caixa do ponto –, tentei arranjar um lugar nesse mundo (…). Aos vinte anos de idade encontrei René Planchon que durante quatro anos me integrou como actor nas peças que encenou; Alain Resnais deu-me um papel importante no seu filme Muriel e Peter Brook na peça La Dance du sergent Musgrave de John Arden. Depressa me cansei de ser actor. Quando a minha carreira no teatro e no cinema começava a afirmar-se, acabei com ela abruptamente e decidi fundar uma companhia. Criei cinco espectáculos em três anos (…).

Em Maio de 1968 fiz a minha própria revolução e mergulhei de cabeça no que então se chamava de “acontecimentos” (..). As minhas façanhas irrisórias levaram-me mesmo à prisão – mas apenas por um dia, para dizer a verdade… Maio acabou e senti-me idiota, tonto, vazio. Eu, filho de operário, tomo consciência de que me tinha desencaminhado para o mundo burguês do teatro, quando o meu lugar não era esse. Tive então uma iluminação: o circo! Que me atraía desde a infância. Meti na cabeça que tinha que agir ideologicamente, abalando esse dinossauro.


Ora, naquela altura, o circo era um mundo muito fechado sobre si próprio. Para me introduzir nesse mundo decidi propor-me como artista. Construí um número burlesco mudo, com uma nítida tendência surrealista que propus a cabarets. Faço uma audição em L’Écluse que me contrataram por um salário irrisório, comparado com o que ganhava no teatro e no cinema. Mas estava feliz. Aproximava-me do meu novo sonho.

Um dia fui a Reims assistir a um congresso de magia. Estava a passear pela cidade e oiço ao longe os metais de uma orquestra. Vou-me aproximando do som e, no fim, descubro um circo. Imenso. Usado. “O Grande Circo de França”. Quis comprar um bilhete mas disseram-me que estava esgotado, não havia nem um. Numa súbita intuição pedi para falar com o director. Chegou, furioso por estar a ser incomodado por um desconhecido. (…) Sabe Deus porquê, a Alexis Gruss apetecia-lhe falar. Pegou numa cadeira junto a mim num camarim e começou a contar-me a sua vida… Continuou a contá-la durante mais de um ano.

Tornei-me confidente de Alexis e, rapidamente, o seu factotum, um homem para todas as tarefas – o seu “cavalo”, na terminologia pejorativa das pessoas nómadas. Estava ele longe de imaginar que tinha ao pé de si um agente maoista!. Todos os dias Alexis me contava a sua vida e escutava, entusiasmado, as minhas ideias sobre a renovação do circo… Na noite de 21 de Julho de 1969, em Cavalaire, enquanto dois homens punham o pé na Lua, nós conversámos até de manhã na sua caravana vermelha… Nessa noite singular nasceu o projecto de um novo circo, totalmente revolucionário. Mas Alexis não tinha dinheiro para o fazer. Propus-lhe então que se começasse com uma tenda pequena, com oitocentos ou mil lugares, mas ele recusou: para ele havia uma só verdade, “pequeno ofício, pequena receita”.
Então, pela primeira vez, fui ao Ministério pedir dinheiro. Mandaram-me passear. Retomei, por isso, os meus números em L’Ecluse.

Durante uma gala num hospital psiquiátrico onde eu estava a apresentar o meu número, tive um encontro que se veio a revelar decisivo na minha vida, com Félix Guattari, psicanalista e co-director da clínica de La Borde. Guattari estava então a desenvolver uma nova aproximação aos distúrbios mentais, advogando a abertura dos asilos ao mundo exterior e defendendo a liberdade do paciente. Em La Borde, por exemplo, organizava todo o género de actividades para os pacientes, e determinou que não deveria haver nenhuma diferença, na forma de vestir, entre eles e quem os tratava….O que era totalmente novo. Enquanto guardava o meu material de magia, ele propôs-me que viesse todas as semanas a La Borde trabalhar com os internados…O meu investimento na clínica era, para ele, uma forma de agitar a instituição e procurar novas ideias. Em La Borde animo ateliers com os pacientes. Tínhamos também grandes discussões. Criámos mesmo uma peça de teatro em Paris, no Lucernaire (..). Naquela época era muito marginal fazer teatro com doentes. Dez ou vinte anos mais tarde isso se tornou-se quase institucional.
O meu encontro com Guattari foi para mim verdadeiramente subversivo, bem mais libertador do que Maio de 68. O trabalho com doentes mentais desenvolveu a minha sensibilidade à imaginação. Escutava o que eles dizem e deixava penetrar-me por aquele universo. Os meus espectáculos são muitas vezes um reflexo desses momentos, daquilo que têm de livre, de incoerente. Sem esta súbita vaga de imaginário na minha vida sem dúvida que nunca teria feito o percurso que fiz, não teria encontrado Victoria de uma maneira tão estranha, nem criado o primeiro novo circo…La Borde e Guattari deram-me a sensação de que tudo era possível, mas de uma forma diferente.

A minha dividiu-se então entre os meus números em L’Ecluse e a minha colaboração informal e onírica com Guattari. Mas não renunciei à ideia de criar enfim esse “novo circo”. Só que, sem meios financeiros e sem material, o que fazer? Pensei, num primeiro momento, montar um circo sem tenda (…). Guattari encorajou-me muito a criar esse circo, ainda que, no fim, ficasse um pouco desiludido por a aventura não ter ido mais longe de um ponto de vista psicanalítico.

Entre 1966 e 1969 a família Chaplin viveu em torno de um projecto de filme, The Freak (o monstro). Victoria devia ficar com o papel principal: o de uma rapariga que nascera com asas. Uma espécie de santa, uma justiceira alada que tinha o poder de arrastar multidões (…). A preparação do filme estava já muito avançada, os figurinos e a música concebidos, os estúdios reservados. Mas o filme nunca se faria, nomeadamente por causa do meu encontro com Victoria (…), embora o filme esteja na origem do nosso encontro. Em Setembro de 1969, numa revista feminina aberta por acaso vejo uma fotografia de Charlie Chaplin com a sua filha. A jovem Victoria declarava ao jornalista que gostava muito do circo e sonhava ser…palhaço (é possível que o jornalista tenha inventado isso). Olhei longamente para a fotografia de Victoria e nessa mesma noite escrevi-lhe para a Suíça. Logicamente, não esperava resposta à minha carta e julguei sonhar quando, alguns dias mais tarde, o porteiro me estendeu um sobrescrito no verso do qual pude ler: Victoria Chaplin – Corsier-sur-Vevey, Suíça. Muito rapidamente passámos a escrever-nos todos os dias e na primeira semana de Janeiro de 1970 Victoria veio juntar-se a mim, na minha casa em Paris.

Victoria teve uma infância oposta à minha. Chegou à Suíça com dois anos e viveu uma infância dourada. O seu pai, perseguido pelos ataques do maccarthysmo decidira sair dos Estados Unidos. O humanismo profundo da sua arte foi assimilado ao comunismo. Charlie Chaplin tornara-se um dos alvos da “caça às bruxas” que assola nesse tempo Hollywood: foram-lhe movidos processos, os seus filmes foram proibidos… Depois de terem hesitado, os Chaplin escolheram a Suíça para viver, procurando, antes de mais nada, tranquilidade.



Os Chaplin não eram mundanos, pelo contrário, e viviam num mundo relativamente fechado. Em todo o caso, artistas e amigos visitavam-nos frequentemente e marcaram a infância de Victoria que conheceu a Callas, Pablo Casals, Cocteau, Truman Capote, Brando, Noureev, os Beatles, Sofia Loren, Clara Haskil… Além disso os Chaplin tinham o hábito de ir todos os anos em família ao circo Knie . Victoria foi educada na tradição artística, com formação em música e dança clássicas. Viajou imenso com os seus pais e desde muito nova demonstrou ser muito dotada. Teve várias propostas para o cinema entra as quais uma de Visconti e Carlo Ponti, mas o seu pai queria que se estreasse num filme que ele escrevesse para ela. Por outro lado, fazia os seus estudos escolares no convento de Montalivet, ao pé de Lausanne.

Durante o primeiro ano em que vivemos juntos conseguimos dissimular a identidade de Victora. Mas depois de uma indiscrição de uma vizinha, um jornalista inglês soube da nossa história e de repente passámos a ser perseguidos por todos os lados pela pior das imprensas, a “de escândalos”. Recusámos colaborar, o que teve como consequência um chorrilho de insultos que vieram de todos os lados. Para essa imprensa eu era um clochard , um vagabundo, um aventureiro sem escrúpulos que raptara uma herdeira rica. Para eles eu só tinha actuado nas ruas, mendigando algumas moedas aos passantes (Planchon, Peter Brook, Resnais, são esquecidos por esses jornalistas). Estes artigos, evidentemente, só envenenam a situação – já tensa – com o meu ilustre sogro.

Apesar da súbita revelação pública da identidade de Victoria, não abandono o meu projecto de novo circo. Escrevo então a Vilar que, para minha grande surpresa, me telefonou de volta. A ideia seduziu-o. “Vamos divertir-nos os dois, disse ele, convido-te e ao teu circo (que na altura só existia na nossa imaginação, coisa que ele não sabia) para Avignon!” Julgo que Vilar não compreendia bem em que consistia o meu projecto, mas achava-o formidável. Uma noite telefonou-me para me dizer como estava encantado…mas morreu no dia seguinte. Já não não nos recebeu em Avignon onde, graças a ele, o primeiro novo circo nasceu (..). Durante o Festival o entusiasmo da imprensa e do público por Le Cirque Bonjour foi imediato. Todas as noites tínhamos que recusar público e o mesmo aconteceu depois em numerosas cidades.

Um dia fomos fazer uma apresentação do Cirque Bonjour a La Borde. A representação tornou-se uma loucura: as serpentes e as feras desencadearam fantasmas nos pacientes que entraram em transe, gritavam….O meu envolvimento com Guattari na clínica de La Borde foi tão importante que Victoria e eu decidimos casar-nos aí. Guattari organizou tudo e foi um momento absolutamente onírico (…)
Depois de Avignon teria sido muito simples prosseguir e desenvolver as nossas actividades de uma forma puramente comercial: grandes famílias do circo vieram propor-nos as suas tendas com 3000 lugares, mas recusámos essas ofertas para teimarmos em querer depender apenas do Estado (o circo “serviço público”, em suma). O Ministério da Cultura da altura não estava sensibilizado para apoiar o circo. Só anos mais tarde, e outros depois de nós, irão aproveitar das nossas iniciativas e lançar-se nessa via.

Olhando para trás na minha vida dou-me conta que tenho um percurso feito de recusas permanentes e que segui por caminhos sem ainda hoje saber porquê. Estive fora da cronologia: pedi apoios num altura em que isso se não fazia, num altura em que ninguém podia imaginar que uma renovação o circo era possível e frutuosa.

Mas esta revolução nem sempre foi fácil. No Cirque Bonjour Victoria e eu dirigimos artistas do antigo mundo do circo. É preciso imaginar quanto essas pessoas nos foram hostis: nós queríamos mudar tudo neles, as suas músicas, os seus figurinos… Tinham sentimentos contraditórios a nosso respeito. Dávamos-lhes trabalho e eles viam o sucesso que tínhamos, mas ao mesmo tempo odivam-nos. Alguns deles tinham feito toda a vida apenas um único númer que herdaram dos seus pais e contavam transmitir aos seus filhos e chego eu e quero mudar tudo! (…) Sei como isto foi cruel para essas pessoas porque se sentiam feridas pelas minhas propostas.(…)

Tinha que manter alguns elementos clássicos do circo. Ora eu tenho horror, por exemplo, aos números com animais amestrados, tigres, ursos.. É um velho mundo feito de regras e de famílias despóticas. Não resultou entrar nesse mundo como artista, pelo degrau mais baixo da escada: os meus números burlescos estavam, demasiado deslocados, não se percebia o que estava eu a fazer entre elefantes e macacos! E impondo-me como director, pelo cimo da escala, também não resultou. Não estava bem em lugar nenhum.

Em Dijon, em 1974, Victoria e eu decidimos parar tudo e fechar Le Cirque Bonjour para criar um novo espectáculo com uma logística mais leve. De uma trintena de pessoas, de uma dúzia de camiões a que se juntavam uma cavalaria, feras, macacos, cães que jogavam o futebol e serpentes, passámos só para duas pessoas, nós os dois, e depois paraa quatro, com os nossos dois filhos. (…). Criámos Le Cirque Imaginaire em residência na Bélgica e apresentámo-lo pela primeira vez em Bruxelas.

James e Aurélia, os nossos dois filhos, tiveram a infância mais peculiar! Com dois anos de idade eu transformava-os em coelhos ou colocava-os dentro de máquinas mágicas… Havia um número em que eu entrava em palco com uma mala em cada mão quando as punha no chão elas fugiam a correr com as suas perninhas! James criou rapidamente um número de bicicleta acrobático. Professores vinham durante o dia dar-lhes aulas e à tarde trabalhavam connosco. É por isso que se pode dizer que James e Aurélia têm uma carreira quase tão longa como a sua vida! Le Cirque Imaginaire existiu durante quinze anos. Entretanto os filhos cresceram. Em todo o mundo o espectáculo teve um sucesso considerável. Apresentámo-lo algumas vezes em França, a uma última vez no Bobino, em Paris, em 1981. E depois a cortina fechou-se para nós em França. Até que Jean-Michel Ribes, que tinha vindo ver o espectáculo várias vezes, nos propôs que nos apresentássemos no Théâtre du Rond-Point. (…)

Em 1990, ano da Guerra do Golfo, criámos em Florença um novo espectáculo Le Cirque Invisible. Passeamos com esse espectáculo desde essa altura, com a necessidade de aperfeiçoar uma coisa, mais do que fazer uma outra nova. Em certos países somos uma instituição familiar. E no entanto, sempre categoricamente recusámos e fugimos dos média, das reportagens, das entrevistas, das conferências de imprensa, das televisões e outras recepções(…).

O espectáculo está sempre a evoluir. Há gavetas que tiramos ou que acrescentamos segundo os países, segundo os humores… É um trabalho que se relaciona com a alquimia, com a procura da pedra filosofal. Mas uma procura que não se leva a sério: não perdemos de vista que é, antes de tudo, um divertimento. (…)

Em trinta anos produzimos apenas três espectáculos: o do Cirque Bonjour, Le Cirque Imaginaire durante quinze anos e Le Cirque Invisible, desde 1990.

De facto, teria gostado de ter feito apenas um e aperfeiçoá-lo permanentemente.

(Tradução de excertos de uma entrevista a Jean-Baptiste Thierrée conduzida por Anne Brest e Camille Kiejman em Janeiro de 2007 e publicada, com fotografias e numerosos desenhos de Thierré, num número especial de Les Carnets du Rond-Point, dedicado a Le Cirque Invisible; notas acrescentadas pela Culturgest)

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