O Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, Audiovisual e Músicos (CENA-STE) saiu hoje de uma reunião com a ministra da Cultura “sem qualquer certeza e com muito poucas garantias” em relação à situação de emergência que se vive no setor.
“Saímos da reunião sem qualquer certeza e com muito poucas garantias. A garantia que temos é de que vamos ter que continuar a fazer pressão sobre a ministra da Cultura, sobre o Governo e sobre o Ministério do Trabalho para ter algumas destas medidas urgentes cá fora, porque elas vão continuar a ser urgentes nos próximos meses e a cada dia que passa vão ser cada vez mais urgentes”, afirmou Rui Galveias, da direção do CENA-STE, em declarações à Lusa, no final de uma reunião com a ministra Graça Fonseca, em Lisboa.
Esta reunião esteve inicialmente marcada para quinta-feira da semana passada e, nesse dia, o CENA-STE decidiu divulgar um pacote de medidas de “emergência, retoma e reforma” do setor, para aplicação “a curto, médio e longo prazo durante os próximos dois anos”, apresentado hoje à ministra.
Rui Galveias salientou que o setor está a viver uma realidade de que não há memória: “nem no período mais violento da ‘troika’ foi assim”.
“Tendo em conta as características do meio e dos trabalhadores que têm uma forte expressão precária, de orquestras regionais, a trabalhadores de festivais, a muita gente que acompanha as companhias de teatro do Interior do país, técnicos, profissionais e atores, todas estas pessoas, neste momento, têm a vida em suspenso”, referiu.
Segundo o sindicalista, têm surgido “grupos informais, para poderem cuidar uns dos outros”.
“Felizmente há solidariedade no setor”, afirmou, alertando que “há muita gente a distribuir cabazes de comida e a dar dinheiro a colegas de trabalho”. “Estamos nesta base”, disse.
A reunião de hoje com a ministra da Cultura “pode ser dividida em duas metades”.
“Uma parte foi sobre medidas para o futuro, que tem que ver com a avaliação do setor, uma regulamentação e uma legislação diferente para o setor, para proteger os trabalhadores do setor”, contou.
Da parte do Ministério da Cultura, segundo o sindicato, “há abertura para esse trabalho e para essa discussão, houve trabalho desenvolvido e há trabalho futuro”.
Já na parte relativa às “medidas de emergência”, aquilo que o CENA-STE tinha “como mais importante agora, não saiu quase nada”.
“Saiu apenas a consciência de que, pelo que nós percebemos, as medidas transversais de que tanto se tem falado não estão a chegar à maior parte dos trabalhadores do setor, como não chega a outros trabalhadores na mesma situação na sociedade”, afirmou Rui Galveias.
Num setor “muito marcado pela precariedade, essas medidas de emergência, que seriam fundamentais, porque as pessoas têm que pagar as contas hoje e comer amanhã, não estão a chegar”.
O apoio aos trabalhadores independentes, alertou o sindicalista, “chega de forma insuficiente, chega com contradições”.
“Recebe um dinheiro, o apoio do IAS [Indexante dos Apoios Sociais] na ordem os 100, 120, 200 euros, e também se recebe a Segurança Social para pagar, na ordem dos 80, 90 euros”, exemplificou, alertando haver “uma série de problemas que não estão a ser resolvidos, que são os mais urgentes”.
Segundo Rui Galveias, a ministra da Cultura “ouviu” as preocupações, “mas depois devia haver uma ação, quer do Ministério do Trabalho, quer do Ministério da Cultura, para intervir sobre estes temas”.
“O Governo fala em quase três mil milhões de euros investidos na Economia, mas o problema é que esse dinheiro e essas medidas, muitas bem-vindas, não estão a chegar aos trabalhadores do nosso setor”, disse.
O CENA-STE pediu também uma reunião com a ministra do ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, “mas até agora não foi marcada”.
O caderno reivindicativo do CENA-STE apresenta dezenas de medidas a aplicar em vários tempos, desde a curto prazo, para acautelar as necessidades imediatas dos trabalhadores da cultura, uma vez que a atividade cultural praticamente paralisou por causa da covid-19, a longo prazo, dada a precariedade já denunciada do setor.
Entre as medidas a curto prazo, está a equiparação do apoio extraordinário a um mínimo de 635 euros, um desagravamento fiscal e uma isenção ou redução das obrigações à Segurança Social.
O CENA-STE quer ainda que os apoios já anunciados para os trabalhadores independentes sejam mesmo estendidos “aos mais vulneráveis”, como por exemplo os “trabalhadores das frentes de sala dos equipamentos públicos, que foram imediatamente dispensados” ou os que têm dívidas à Segurança Social.
As medidas de retoma incluem, entre outras, a criação de um “cartão-cultura” para que cada português gaste um valor mensal em cultura e espetáculos e a revisão das condições de apoio à internacionalização, por causa das limitações de circulação de artistas fora do país.
A longo prazo, o CENA-STE quer que passe a ser obrigatório e seja uniformizada a existência de contratos “em todos os projetos com subvenções públicas”, seja de curta ou longa duração.
É ainda pedido um “levantamento exaustivo do tecido cultural existente para “diagnosticar necessidades específicas de regiões ou comunidades”.
Segundo o CENA-STE, este caderno reivindicativo foi desenhado com base nos resultados do inquérito feito ao setor, já durante o estado de emergência por causa da pandemia da covid-19, e em “diálogo com estruturas culturais e grupos informais de defesa da cultura”.
O inquérito revela que 98% dos trabalhadores inquiridos tiveram trabalho cancelado por causa das medidas restritivas para conter a pandemia.
Em termos financeiros, para as 1.300 pessoas que responderam ao questionário, as perdas por trabalhos cancelados representam ainda dois milhões de euros, apenas para o período de março a maio deste ano, de acordo com o CENA-STE (o que indica a perda de um valor médio de receita, por trabalhador, de cerca de 1.500 euros).
Lusa
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