Macron quer indenizar artistas até meados de 2021: a cultura pós-Covid na França




O presidente francês, Emmanuel Macron, anunciou nesta quarta-feira (6) um plano de recuperação para o setor cultural na França, gravemente afetado pela pandemia e pela quarentena, em vigor desde 17 de março no país. Entre as principais diretrizes para a cultura, Macron anunciou que manterá o sistema de remunerações dos artistas, produtores e técnicos das artes até agosto de 2021 e a criação de um “fundo de indenização” para todos os profissionais do audiovisual francês cujas produções foram canceladas devido à crise do coronavírus.

Artistas e técnicos das artes puderam finalmente respirar um pouco aliviados nesta quarta-feira (6), após o anúncio do presidente francês com as primeiras medidas destinadas à recuperação do setor cultural na França pós-pandemia. O país começa a sair da quarentena na próxima segunda-feira, 11 de maio, mas o processo deve ser longo e será realizado através de etapas, inclusive para o setor cultural.

Muito criticado e pressionado por grandes nomes do setor artístico francês, que recentemente se manifestou publicamente sobre o “esquecimento da cultura” na França, Macron realizou os anúncios por meio de uma videoconferência ao lado de uma dúzia de artistas. Entre eles, a cantora Catherine Ringer, os diretores de cinema Eric Tolédano e Olivier Nakache, o diretor de teatro Stanislas Nordey, o escritor Aurélien Bellanger, o rapper, escritor e diretor de cinema Abd Al Malik, a atriz Sandrine Kiberlain, entre outros.

Macron defendeu que os direitos de indenização salarial por parte do governo francês dos chamados “intermitentes do espetáculo” - como são conhecidos os artistas, produtores e técnicos das artes na França - “sejam prolongados por um ano", num período em que sua atividade será "impossível ou muito degradada, ou seja, até final de agosto de 2021". "Muitos não poderão trabalhar. Quero que nos comprometamos que artistas e técnicos intermitentes tenham seus direitos estendidos até o final de agosto de 2021", disse.

O sistema da intermitência, uma especificidade francesa, garante a sobrevivência de artistas e técnicos do espetáculo durante o período em que não estão em atividade na França. Para ter direito a esta indenização especial e dedicada à classe artística, cada profissional deve cumprir e comprovar 507 horas de trabalho por ano, sem as quais não se consegue o subsídio. Ao estender a indenização até metade de 2021, Macron garante a remuneração aos que não puderem cumprir suas horas de trabalho até lá, devido à crise sanitária.  

Pela "reinvenção" da Cultura

Resta saber agora se as medidas anunciadas pelo presidente francês estarão realmente à altura do desafio. Segundo Franck Riester, ministro da Cultura da França, "o que está em jogo é a capacidade de nosso país permanecer um país cultural". Em 30 de abril, um manifesto assinado por cem dos maiores artistas franceses exigiu não ser esquecido nesta crise sem precedentes provocada pelo Covid-19.

Nesta quarta-feira, no jornal Le Monde, mais de 200 artistas e cientistas de todo o mundo, incluindo Madonna, Robert de Niro, Juliette Binoche e Guillaume Canet, publicaram uma coluna dizendo não ao retorno "à normalidade" após a crise de coronavírus. Entre outras coisas, eles querem uma 'transformação radical' do sistema contra o consumismo", alertou Riester.

A indústria cultural da França emprega 1,3 milhão de pessoas. Ela pesa tanto quanto a indústria de alimentos e muito mais que a indústria automotiva na economia francesa. Só o cancelamento do Festival de Avignon representou uma perda de € 100 milhões para a cidade e a região. A Ópera de Paris já anunciou um prejuízo de € 50 milhões este ano. Na indústria do entretenimento, a perda de bilheteria é estimada em € 590 milhões até o final de maio.

“Um novo relacionamento com o público”

O destino dos trabalhadores intermitentes da cultura era uma das demandas mais importantes do setor na França, que se mobilizou nas redes sociais para deixar de ser a grande "esquecida" das autoridades na crise da saúde. "É necessário que os locais de criação revivam, adaptando-se às restrições da epidemia, e, sem dúvida, inventando um novo relacionamento com o público", sublinhou Macron, que disse contar com o "bom senso" e "criatividade" do setor.

"Precisamos reabrir livrarias, museus, lojas de discos, galerias de arte e os teatros devem poder começar se abrir para ensaios”, disse o presidente francês. Como o setor audiovisual é bastante fragilizado pelo risco da volta da pandemia e uma possível nova quarentena, o presidente francês se declarou a favor de um fundo de compensação temporário para filmes e séries que foram canceladas devido à crise sanitária. "Colocaremos seguradoras e bancos frente às suas responsabilidades", disse o chefe de Estado, com o objetivo de retomar as filmagens, analisando "caso a caso" após o final de maio.

Ajudas e mudanças no setor audiovisual na França

É exatamente nesse período que Macron decidiu reabrir espaços culturais. Enquanto as livrarias e galerias de arte se preparam para retomar as atividades, a cortina permanece fechada até nova ordem em cinemas, festivais e outras salas de concerto, por causa das necessidades de isolamento social, que devem continuar na França.

No setor audiovisual, o primeiro ramo do setor cultural na França em investimentos, o presidente francês defendeu a transposição "antes do final de 2020" da diretiva europeia AVMS (serviços de mídia audiovisual). Este regulamento planeja reequilibrar as regras entre canais de televisão, sujeitos a inúmeras obrigações, e plataformas on-line, contribuindo para a criação audiovisual francesa. 

Macron finalmente anunciou o lançamento de um "grande programa de contratações públicas", visando especialmente "jovens criadores com menos de 30 anos", com a ambição de "inventar uma temporada extraordinária" e procurar públicos às vezes esquecidos no mundo da cultura. "Vamos com tudo", sublinhou ele, "seja para o artesanato, performances ao vivo, literatura, ou as artes plásticas", detalhou. "Estou pensando em criadores com menos de 30 anos", destacou o chefe de Estado.

“Um verão diferente”

Emmanuel Macron pediu ao mundo da cultura que ajude a "reinventar" um "verão diferente" para os "milhões de jovens" que não sairão de férias, devido à crise do coronavírus. "A nação não poderá viver suas férias como de costume. Precisamos criar um verão cultural e de aprendizado", declarou o chefe de Estado ao fim da conversa por videoconferência com os artistas e representantes do setor cultural.

Macron insistiu em particular na necessidade de mobilização cultural para os "milhões de crianças, jovens e adolescentes" que "não poderão sair de férias" neste verão, especialmente aqueles "de origem estrangeira" cujas famílias têm o hábito de viajar várias semanas nas férias para seus países natais e que não poderão fazê-lo neste verão do Hermisfério Norte em 2020, devido à crise sanitária.  

 As fronteiras devem permanecer fechadas nos próximos meses entre a França e os países do Magrebe, no norte da África, impedindo o retorno de muitos franceses que têm raízes familiares na região. As ligações aéreas foram suspensas com a Argélia e Marrocos desde meados de março.  

"Nos nossos subúrbios, em outros distritos da República, já pedimos um grande esforço aos habitantes em quarentena", sublinhou Emmanuel Macron, convocando a população a "reinventar os acampamentos de verão". O presidente francês disse ainda que os artistas podem ser mobilizados através de uma "plataforma" para coordenar iniciativas. Ele esperava que o Estado "dê aos artistas e suas equipes a possibilidade de inventarem de maneira diferente neste verão".

Jean-Marc Dumontet, proprietário de seis teatros parisienses, elogiou no canal BFM TV "o apoio ao mundo da intermitência cultural" e o tom "voluntarista" do chefe de Estado. "É uma mensagem de esperança e precisamos dela", afirmou. Na manhã desta quarta-feira, o deputado de oposição do partido da esquerda radical França Insubmissa, Alexis Corbière, chegou a exigir do presidente francês a declaração de um "estado de emergência cultural" e uma ajuda de "quantia comparável" aos € 7 bilhões prometidos à Air France para "salvar a cultura".

in RFI
(Com informações da AFP e imprensa francesa)

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