Olá teatreiros
...isto é só a gente a desabafar, mas quando se entra na casa dos “setentas” e começamos a pensar que pelo menos há 6 décadas vejo Teatro, é difícil não pensar que tenho material do bom e do melhor, “guardado” a sete chaves na memória do muito que vi, gostei e aplaudi.
Por certo que para alguns dos meus hipotéticos leitores terei lembranças que devem parecer pré-históricas, já para não falar de saudades muitas, de tantos e tantos grandes nomes injustamente esquecidos e em muitos anos de pós de palco adormecidos.
Atrevo-me a iniciar hoje e aqui, uma pálida amostra de alguns dos grandes momentos e de grandes noites (incluindo os que também vi à tarde) de algum do melhor Teatro Português que se ia fazendo.
Uma escolha ao sabor de recordações e sem consultar arquivos, que não os da memória, terá por certo lacunas e imperfeições aqui e ali, mas será muito principalmente para os mais novos, uma pequena “mostra” daquele bom Teatro que com mais ou menos dificuldades ia sendo possível fazer neste País e que tive oportunidade de ver desde meados do século passado. (Meu Deus, como estou velho).
Então, se devemos começar sempre pelo princípio como manda a regra, comecemos pois pelo princípio e que o contra regra mande subir o pano...
Ano de 1961. A minha primeira “ grande aventura” de espectador, vai do Mucifal (Colares) a Lisboa, direitinha à bilheteira do Teatro Nacional Dona Maria II num sábado à tarde. Que vaidade emoção pedir um bilhete para a Geral (vulgo galinheiro) encavalitado em cima do Balcão de 2a Ordem e sentir-me tão confortável como se na primeira fila estivesse...
Teresa Mota e João Perry em "Romeu e Julieta"
Que orgulho, estar ali a ver “ROMEU e JULIETA” de Shakespeare com o João Perry e a Teresa Mota (que viria a ser durante anos a minha imaginária namorada). Recordo também que foi a primeira vez que vi em palco Amélia Rey Colaço e o grande José de Castro de quem mais tarde me tornaria amigo e seu fervoroso admirador. Que tarde inesquecível e que difícil voltar para casa sem ao menos poder ver a Teresa Mota mais de perto na porta dos Artistas. Mas ela nunca mais aparecia e o comboio esperava-me para o regresso inevitável...
Tomei-lhe o “vício” e na peça seguinte lá estava eu caído outra vez no “galinheiro” a ver com nervoso miudinho e não menos expectativa, a grande e muito considerada Actriz Palmira Bastos, de quem tanto já ouvira falar. “As árvores morrem de pé”, está claro – com Anna Paula, Varela Silva, Luis Filipe, José de Castro nos principais papéis e uma actriz extraordinária que nunca mais esqueci e que poucos se lembram, chamada Luz Veloso. A entrada em cena de D. Palmira (como toda a gente lhe chamava, incluindo colegas) é algo inexplicável ainda hoje. Como se de uma missa ou cerimonial se tratasse, o silêncio era “pesado” e uma expectativa rara pairava pela sala toda até essa entrada ansiosamente aguardada. Verdadeira diva para o público daquela época a grande Actriz, era sem dúvida um prodígio na sabedoria de estar em cena e como se costuma dizer, tinha os segredos todos de ter o “seu” público na mão. À saída na porta dos artistas como se de uma romagem se tratasse, havia lágrimas, lenços a acenar e muitos aplausos. Com passo miudinho, sorridente e acenando, D. Palmira lá seguiu no táxi que a esperava, até á próxima representação por certo já com lotação esgotada.
Amélia Rey Colaço, Teresa Mota e Mariana Rey Monteiro em "Romeu e Julieta"
Tomei-lhe o “vício” e na peça seguinte lá estava eu caído outra vez no “galinheiro” a ver com nervoso miudinho e não menos expectativa, a grande e muito considerada Actriz Palmira Bastos, de quem tanto já ouvira falar. “As árvores morrem de pé”, está claro – com Anna Paula, Varela Silva, Luis Filipe, José de Castro nos principais papéis e uma actriz extraordinária que nunca mais esqueci e que poucos se lembram, chamada Luz Veloso. A entrada em cena de D. Palmira (como toda a gente lhe chamava, incluindo colegas) é algo inexplicável ainda hoje. Como se de uma missa ou cerimonial se tratasse, o silêncio era “pesado” e uma expectativa rara pairava pela sala toda até essa entrada ansiosamente aguardada. Verdadeira diva para o público daquela época a grande Actriz, era sem dúvida um prodígio na sabedoria de estar em cena e como se costuma dizer, tinha os segredos todos de ter o “seu” público na mão. À saída na porta dos artistas como se de uma romagem se tratasse, havia lágrimas, lenços a acenar e muitos aplausos. Com passo miudinho, sorridente e acenando, D. Palmira lá seguiu no táxi que a esperava, até á próxima representação por certo já com lotação esgotada.
Palmira Bastos
Ainda nesse ano, quando me apercebi que meus pais se preparavam para encontrar bilhetes para ir ver a Revista do momento, haveria de experimentar a enorme ousadia incentivada por mim próprio, de ver um Teatro para maiores de 18 anos. (Coisa horrenda, que durante anos e anos existiu, mais tarde passando a maiores de 17 e que só viria a terminar em Abril de 74). Sabendo pelos jornais que o sucesso era grande e com enormes enchentes, amigos me contaram que a confusão á entrada era mais que muita. Não foi fácil mas lá convenci ao fim de algum tempo os meus pais que eu ara alto e conseguiria passar à entrada. Assim aconteceu e fui também com eles ao Coliseu, ver a sumptuosa e espectacular Revista “Mulheres de Sonho”com cenários e figurinos do genial Pinto de Campos. Um elenco memorável com o pequeno/grande Eugénio Salvador, Barroso Lopes, Costinha, Anita Guerreiro, Leónia Mendes, Maria Domingas, Luisa Durão e uma voz vinda de Cuba que fazia o Coliseu vir abaixo (mesmo sem microfone) quando cantava e bisava “Avé Maria no Morro” – Xiomara Alfaro.
Que espanto e que deslumbramento para o jovem espectador que eu era, ver as “Mulheres de Sonho” descer da cúpula e aterrarem na plateia, infelizmente tão “longe” da Geral onde me encontrava... Que prometedor e inesquecível início da minha “carreira” na Revista. Foi mais que suficiente para ficar durante muitos e muitos anos fiel “apaixonado” pelo Teatro de Revista. Já agora vos conto, que tal como eu previra, com tanto empurrão e aperto na hora da entrada, lá consegui passar em bicos de pés, convencido que se por acaso o porteiro reparasse em mim, via logo que eu tinha 18 anos, ou mais...
Em 62 ou 63 já não me lembro bem, acontece o meu “encontro” com a Actriz que a Rádio e a Televisão conseguiam fazer chegar a minha casa mas que ainda não me fora possível vê-la em palco – Eunice Muñoz. Um amor, um respeito e uma admiração para toda a vida. No velhinho e saudoso Teatro Avenida, com encenação de Luis Sttau Monteiro e ao lado de uma jovem de 13 anos - Guida Maria - que viria a ser considerada a grande revelação dos últimos anos - estreia-se com enorme êxito “O Milagre de Anna Sulivan” de William Gibson. Eunice emocionava Lisboa. Era sublime. A história da vida de Helen Keller foi um dos maiores sucessos de sempre da Companhia de Vasco Morgado e fez uma longa carreira além de uma bem sucedida digressão pelo País. Eunice e Guida Maria faziam arrepiar e arrastar durante noites e noites um público numeroso como raramente se via no chamado “teatro declamado”. As sessões esgotavam diariamente e os aplausos no final eram em lágrimas e pareciam infindáveis em cada espectáculo. Não podia ter tido melhor peça para ver pela minha vez primeira Eunice a representar. Ao seu lado também grandes nomes como Fernanda Borsatti, Baptista Fernandes, Isabel de Castro e João Lourenço entre outros. Curiosamente, diga-se que Eunice preparou e estudou este “papel” em pouco mais de 15 dias para substituir inesperadamente a actriz Lígia Teles impossibilitada de conseguir estrear. Depois do grande sucesso de “Joana d’Arc” e também no Avenida, Eunice em “Anna Sullivan”, voltava a emocionar Lisboa e mais tarde todo o País também, numa digressão bem sucedida e prolongada.
Parece que ainda mal comecei a desfolhar este meu álbum com memórias dentro, e já devo ter ultrapassado há muito, este espaço que muito prezo e agradeço. Com tantas e tão boas recordações que tenho para vos contar, tão depressa não se vão ver livres de mim...
Até breve e saudações teatrais.
Fernando Louro
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