Começamos hoje a receber no Guia dos Teatros as crónica do nosso amigo Fernando Louro que irá recordar alguns nomes e episódios do Teatro que lhe foram ficando como activo participante e entusiástico espectador de muitos anos. Muitos se lembrarão de Fernando Louro como actor nos primeiro anos da Companhia de Teatro de Almada, nessa altura ainda Grupo de Campolide em peças como "O grande cidadão" (1976), "1383" (1977), "As aventuras de Till Eulenspiegel" (1978), "A noite" (1979), "Que farei com este livro?" (1980), "A excepção e a regra" (1981) entre outras. Outros saberão do seus trabalho como encenador no Grupo Cénico União Mucifalense onde durante anos fez um trabalho notável. E muitos outros saberão do seu trabalho no mundo da publicidade onde fez uma carreira sem nunca se afastar dos palcos.
Só lhe podemos agradecer a sua colaboração com o Guia dos Teatros, que hoje, aqui começa e esperar que estas suas crónicas possam encher o nosso Guia durante muito tempo.
“Conversas e memórias com Teatro dentro”
por Fernando Louro
Entrar em cena....
….impossível recusar o “papel” que o meu estimado amigo e encenador Frederico Corado me entregou para vir até este “palco” conversar convosco sobre um tema que amo desde que me conheço – TEATRO
Irei deixar por aqui algumas memórias que me são queridas, alguns nomes que não esqueço e também boas lembranças de “algum” Teatro que fui vendo, vivendo e aplaudindo ao longo de várias décadas que nem me atrevo a dizer quantas.
Para esta conversa de estreia, trago-vos um pouco do que vi e sei de um dos mais extraordinários actores portugueses que tantas vezes pude ver representar e aplaudir – JOSÉ DE CASTRO.
Nasce em Paço de Arcos em 1931 e aos 17 anos no Grupo de Teatro Amador da sua terra é visto pela actriz Maria Lalande na peça “Multa Provável” de Ramada Curto, e logo surge de imediato o convite para ingressar no Teatro profissional. Em breve viria a saltar da Companhia Maria Lalande para o Teatro Nacional Dona Maria II a convite de Amélia Rey Colaço, onde se manteve mais de 20 anos ao longo dos quais com soberbas e premiadas interpretações, assim se afirmando como um dos maiores actores da sua geração. Inesquecíveis trabalhos em “O Processo de Jesus” de Fabri, “O Lugre” de Santareno, “As Divinas Palavras” de Valle Inclan)
Escreveu Fernando Dacosta num livro que lhe é dedicado “A presença, a voz, o carisma de José de Castro geravam tal comunicabilidade, tal virtuosismo, que o tornavam um actor empolgante. Foi um dos actores portugueses mais amados e admirados do seu tempo.” Quem o viu, sabe que assim era.
Nos princípios dos anos 60 inaugura a Companhia Teatro Estúdio de Lisboa com “Joana de Lorena” a convite da encenadora Luzia Maria Martins e ao lado da actriz e também empresária Helena Félix.
Em 1968 dá um “salto” ao Teatro Experimental de Cascais e dirigido por Artur Ramos brinda-nos com uma excelente interpretação em “O Tempo e a Ira” de John Osborne ao lado de Lurdes Norberto, Canto e Castro e Anna Paula. Ainda na década de 60 ao lado da grande actriz Eunice Muñoz encabeça a recém formada Companhia Portuguesa de Comediantes no Teatro Villaret. Esperavam-no grandes e extraordinárias interpretações em “O Homem que fazia chover”, “As Raposas”. “Verão e Fumo”, “António Marinheiro”- A Critica premeia-o e o Público aplaude-o.
Também, tal como muitos outros actores do chamado “teatro declamado”, foi requisitado algumas vezes para o Teatro de Revista onde alcançou assinalável sucesso em rábulas de antologia do chamado teatro ligeiro. Recordo aqui apenas “O mãozinhas de veludo” e “As noivas de Sto António” ao lado do grande Raúl Solnado.
No meio dos colegas era bem conhecida a sua faceta de supersticioso em grande escala. Coisa que lhe acontecesse em noite de estreia de sucesso, era para se fazer sempre e até a peça sair de cena, Conta-se que na noite de estreia de “O rei está morrer”, o actor foi dar um último olhar ao texto que estava atrás do cenário sobre um piano. Com a pressa e os nervos espalhou sem querer as dezenas e dezenas de folhas no chão. Certo e sabido, passou a ser “obrigatório” noite após noite, espalhar as folhas pelo palco e de preferência o mais parecido como acontecera na noite de estreia...
Em 1971 é chamado de novo por Amélia Rey Colaço e no Teatro da Trindade deixa para a História do Teatro Português, duas grandes, arrebatadoras e inesquecíveis interpretações: “O Rei está a morrer” de Ionesco e “Calígula” de Camus. Últimos e derradeiros trabalhos de grande “peso”.
Homem de esquerda e de ideais fortes, sempre lutou contra o pesadelo da Censura, ainda pôde beneficiar da Liberdade que Abril trouxe ao Teatro e alcança um enorme sucesso no Parque Mayer na Revista “Uma no Cravo, outra na Ditadura” no Teatro ABC,
Prematuramente, aos 46 anos e no auge de uma brilhante carreira, o “Rei” morreu.
O meu eterno aplauso, grande Zé de Castro.
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