Texto de Carolina Braga em Culturadoria
No cinema é mais comum. No teatro não são muito costumeiras narrativas que se debruçam em jornadas de crescimento de personagens. Menos ainda para o público infanto-juvenil. É nessa lacuna que o francês Tristeza e Alegria na vida das Girafas se insere. E brilha!
A montagem internacional participou da Mostra Oficial de 2018 do Festival de Teatro de Curitiba. O texto – muito bem construído – é do autor português Tiago Rodrigues. É um nome importante da cena contemporânea de Lisboa. Tem 41 anos e é o diretor artístico Teatro Nacional D. Maria II, reconhecido espaço da capital.
Como bem descreve o nome de uma oficina ministrada em Curitiba sobre a dramaturgia de Tiago, a obra dele é “um teatro político atravessado de afeto”. É uma combinação necessária. Ao mesmo tempo que Tristeza e Alegria na vida das girafas alcança quem procura um teatro com reflexões mais profundas. Na mesma proporção, conversa na com quem quer apenas se divertir. Detalhe: espectadores a partir dos 10 anos estão aptos a embarcar na fantasia da protagonista.
Fantasia
A montagem que esteve em cartaz no Festival de Teatro de Curitiba foi traduzida e dirigida por Thomas Quillardet. Na história, uma garota de nove anos – órfã de mãe – precisa fazer um trabalho escolar. Quer contar sobre a vida das Girafas mas, infortunadamente, o pai precisou cortar o canal de TV predileto, o Discovery Channel.
Para recuperá-lo, a garotinha se embrenha em uma aventura acompanhada do controverso urso Judy Garland. Eles têm um pedido a fazer ao primeiro ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho. Por meio dessa saga, o texto usa o teatro para estimular uma reflexão sobre como a realidade social interfere na vida das pessoas.
Sim, sem ser chato, acadêmico ou didático Tristeza e alegria na vida das Girafas fala sobre crise econômica. Diz também sobre o que significa crescer em momentos de adversidade, sobre como elaborar sentimentos e dores que não são fáceis, sobre o que é aprender, amadurecer.
Teatralidade
Estes são alguns dos méritos do texto. E a cena? Assim como a mente de qualquer criança, o palco é um lugar que tudo pode ser tudo. Ou seja, basta um pedaço de grama sintética para imaginarmos o caminhar em um terreno externo. Thomas assume essa força mágica de significações que o teatro tem.
A estrutura do palco chama atenção logo na chegada. São quatro pilares e no meio deles, surgem como se fossem grandes marionetes, residências, bancos, barcos infláveis. Pessoas, fantasmas e instituições também. Enfim, elementos que vão preencher nosso imaginário concreto e poético.
O teatro aparece de uma maneira tão desnuda, que o embarque na fantasia é mais afetivo do que racional. O diretor não tenta te convencer de nada. Te convida a acreditar. É isso é ser sincero.
Inclusive o texto incorpora esse distanciamento a medida em que te convida a acreditar que uma mulher adulta é uma criança. Um homem é um urso e daí por diante. Ninguém é caricato. Tristeza e Alegria na Vida das Girafas tem em cena Maloue Fourdrinier, Marc Berman, Christophe Garcia, Jean-Toussaint Bernard.
A presença deste espetáculo na programação da Mostra Oficial 2018 é uma demonstração de sintonia. De certa forma, a relação entre política e teatro tem aparecido de diversas formas por aqui. Tristeza e Alegria na Vida das Girafas é um exemplo de que essa combinação pode ser leve, despretensiosa e para todas as idades.
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