Luis Lobianco com ‘Gisberta’


Luis Lobianco interpreta Gisberta, brasileira vítima da transfobia que teve morte trágica em Portugal 

“Eu não sei se a noite me leva. Eu não ouço o meu grito na treva, e o fim quer me buscar. Trouxe pouco, levo menos. A distância até ao fundo é tão pequena”. A letra da música “Balada de Gisberta”, de Maria Bethânia, foi a inspiração para Luis Lobianco pesquisar mais sobre a história da mulher que dá título à canção. O ator acabou descobrindo que ela era uma brasileira vítima da transfobia que teve morte trágica em 2006, na cidade do Porto, em Portugal. Lobianco então transformou a tragédia num drama musical que estará em cartaz a partir de hoje no Teatro da UFF.

— Há mais de um ano eu estava procurando uma boa história para fazer um espetáculo. “Balada de Gisberta” já estava na minha playlist há muito tempo, mas durante minhas férias na Serra resolvi pesquisar mais sobre quem era Gisberta e fiquei emocionado com uma história tão forte — conta Lobianco, que também integra o elenco do Porta dos Fundos. — Esse espetáculo já passou pelo CCBB do Rio, e tive apresentações lotadas. O que mais me deixava admirado é que muita gente na plateia não era o público que tinha o costume de ir ao teatro.

Gisberta era uma transexual nascida em São Paulo. Ela decidiu ir para Portugal em busca de liberdade. Alegre e divertida, rapidamente se enturmou à cena gay local e fazia apresentações em bares e boates. Por dez anos foi a estrela brasileira da noite portuense. Após sofrer de depressão e contrair o vírus da Aids, foi morar num prédio abandonado. Acabou vítima de tortura praticada por 14 garotos. Foram vários dias seguidos de agressão, em janeiro de 2006. Quando o grupo acreditou que ela estava morta, jogou-a, ainda com vida, dentro de um poço. Gisberta morreu afogada.

No ano passado, dez anos após a sua morte, Gisberta foi amplamente lembrada em Portugal por meio de uma série de reportagens. Recentemente, em 14 de fevereiro, ela deu nome ao primeiro centro de apoio à população LGBT do Norte de Portugal, o Centro Gis, em Matosinhos, distrito do Porto.

— Um dos motivos que me levaram a idealizar esse espetáculo é que ela era brasileira, e esse caso é muito famoso em Portugal, embora seja desconhecido por aqui. O movimento LGBT se organizou por lá e conseguiu uma série de direitos. Por aqui, vemos cada vez mais retrocessos. O Brasil é um dos países que mais matam gays no mundo. O que está por trás desse movimento conservador são líderes reacionários que se aproveitam da fé das pessoas para impor o que eles acreditam — conclui Lobianco, que começou a fazer aulas de atuação em Niterói e participou da sua primeira companhia de teatro na Biblioteca do Campo de São Bento.

Reflexão pela arte

Com texto de Rafael Souza-Ribeiro e direção de Renato Carrera, a peça mistura política, história, música, teatro, humor, poesia e ficção para falar de Gisberta. A temporada no Teatro da UFF vai até o dia 29, com sessões de sexta a domingo às 20h.

— Voltar para Niterói é maravilhoso, ainda mais com essa peça. O público fluminense é muito ávido por cultura. Muita gente não assistiu ao espetáculo no Rio esperando que ele fosse para Niterói. Já percebi que as pessoas estão comentando (sobre a estreia) nas redes sociais e chamando os amigos para assistir — diz Lobianco.

“Gisberta” já passou por Rio, Petrópolis e Friburgo. Em 2018, será levado a Portugal, a Lisboa e ao Porto. A peça foi indicada ao Prêmio Botequim Cultural 2017 nas categorias Melhor Ator e Melhor Direção Musical, além de ter sido indicada ao Prêmio Cenym de Teatro Nacional 2017 nas categorias Melhor Trilha Sonora Original ou Adaptada, Melhor Execução do Som e Melhor Fotografia de Publicidade.

— O caso de Gisberta não é conhecido por aqui, e decidi que ela vai reviver a partir da arte e será amada pelo público. Há algumas pessoas querendo colocar a arte como bicho-papão, e esse não é o papel dela, que sempre levou as pessoas a refletirem e questionarem o mundo — ressalta o ator.
Kátia Gonçalves in Globo

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