A produtora, programadora e gestora cultural Gabriela Cerqueira, que dirigiu o Festival dos Cem Dias da Expo98, morreu na terça-feira, em Lisboa, aos 75 anos, disse esta quarta-feira a família à agência Lusa.
A acção de Gabriela Cerqueira estendeu-se das artes visuais às diferentes áreas do espetáculo, ao teatro e ao cinema, ao longo de mais de 40 anos. Pertenceu à equipa de programação do Centro Cultural de Belém (CCB), esteve associada a produtoras como a Cinequipa e a Animatógrafo, trabalhou com cineastas como Samuel Fuller e Raul Ruiz, Fernando Lopes e José Álvaro Morais.
Foi uma das principais dinamizadoras da programação cultural da Expo98, com a direção do Teatro Camões, durante a exposição mundial, e do Festival dos Cem Dias, que a antecedeu, tendo o seu nome associado às principais produções da iniciativa.
"Ao longo dos anos, o seu percurso profissional convocou o cinema, as artes visuais e as artes performativas, tanto na esfera da criação e da produção, como no domínio da gestão e programação cultural", lê-se no comunicado da família, assinado pelos filhos, entre os quais os atores Marcello e Luca Urgeghe.
No comunicado é destacado o "percurso singular" de Gabriela Cerqueira, "que acompanha as mudanças estruturais do país cultural, político e social", ao longo de mais de quatro décadas. Gabriela Cerqueira desenvolveu grande parte da sua atividade no cinema e no audiovisual.
De 1974 a 1976, fez parte da equipa da série "O meu nome é mulher", das jornalistas Maria Antónia Palla, Maria Antónia Fiadeiro e Teresa de Sousa, com produção da Cinequipa, programa pioneiro do jornalismo de investigação e intervenção, no Portugal pós-revolucionário, que foi transmitido pela RTP. A ligação à produtora - uma das três independentes existentes na época - determinou o percurso de Gabriela Cerqueira, associando-a desde logo à produção de filmes-documentários de novos realizadores como João e Fernando Matos Silva ("O Meu Nome É...", sobre o combate ao fascismo), José Nascimento ("Pela Razão Que Têm" e "Terra de Pão, Terra de Luta", sobre a reforma agrária), Monique Rutler e Francisco Manso, entre outros. No cinema, foi produtora executiva de "Les trois couronnes du matelot", de Raoul Ruiz, "Rua sem Regresso", de Samuel Fuller, "Ao fim da noite", de Joaquim Leitão, "O Fio do Horizonte", de Fernando Lopes, entre outras obras. No trabalho com a Animatógrafo (1987-1995), como produtora, o seu nome ficou associado a filmes como "O Bobo", de José Álvaro Morais, "Repórter X", de José Nascimento, o documentário "Lissabon Wuppertal Lisboa", de Fernando Lopes, sobre a bailarina e coreógrafa alemã Pina Bausch, "Sem Sombra de Pecado", de José Fonseca e Costa. Produziu os filmes "Três Irmãos" e "Os Mutantes", de Teresa Villaverde, com quem criou a produtora Mutantes.
No teatro, destaca-se a montagem de "Traições", de Harold Pinter, a única encenação do artista plástico João Vieira, com quem viria a assinar, além de produzir, o documentário "Pinto quadros por letras", de 2003.
Foi diretora executiva do Festival dos Cem Dias (1996-1998), "contagem decrescente" para a Expo'98, que mobilizou criadores como Pina Bausch, os compositores Emmanuel Nunes, António Pinho Vargas e Michael Nyman, os maestros Bernard Haitink, Riccardo Chailly e Valery Gergiev, músicos como Wynton Marsalis, encenadores como Joan Font, e que promoveu exposições como "Viagem ao Século 20" e "À Prova da Água", no CCB, reunindo imagens de Tina Modotti, Robert Mapplethorpe e Cartier-Bresson, entre muitos mais.
Fez a direção de produção do Teatro Camões, durante a Expo98, onde foi estreada a ópera "O Corvo Branco", de Philip Glass, com libreto de Luísa Costa Gomes e direção de cena de Robert Wilson, em setembro de 1998.
Em 1979, fez parte da equipa do secretário de Estado da Cultura Helder Macedo, escritor e professor, no V Governo Provisório de Maria de Lurdes Pintasilgo.
Cerca de 25 anos mais tarde, regressou a um organismo público da Cultura, o Instituto das Artes (atual Direção-Geral das Artes), para dirigir o departamento de apoio à criação e difusão (2004-2006).
Seguiu-se o CCB, onde foi adjunta da direção de António Mega Ferreira (2006-2012) e, depois, consultora para a programação de artes performativas (2012-2013), durante a presidência de Vasco da Graça Moura. Aqui, coordenou o projeto Próspero, que projetou internacionalmente companhias como o Teatro Praga e a Circolando.
Em 1998, o Presidente da República Jorge Sampaio concedeu-lhe a comenda da Ordem de Mérito.
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