OPINIÃO de
Lauro António
LAR, DOCE LAR
Uma comédia não é material de segunda. Alguns pensam assim, e pensam mal. Realmente há muita gente que faz más comédias (o que, diga-se!, acontece com qualquer género), mas uma boa comédia é normalmente um trabalho de grande qualidade. Que o digam Gil Vicente, Goldoni, Molière, e por aí fora, até à actualidade. Depois, há grandes actores cómicos que fizeram peças boas, más e assim-assim, filmes admiráveis, fracos e que seriam horríveis sem a sua presença. Chaplin e Buster Keaton nunca erraram (Keaton teve de aceitar certos trabalhos, no final da carreira, para se alimentar). Totó, para mim um dos maiores actores cómicos de sempre, fez de tudo e a tudo vale a pena assistir só para o ver a ele, mas por vezes é de arrepelar os cabelos vê-lo desbaratar aquele talento imenso em coisas tão medíocres.
Mas a comédia é um género muito difícil e é raro acertar-se numa grande comédia. E o que é isso? É um espectáculo em que o texto tem qualidade, é inteligente, sensível, crítico, tem ritmo, não amolece pelo caminho, nem se atropela, é servido por bons actores, que retiram das palavras tudo quanto elas encerram e, se possível, as favorecem, e depois, falando do teatro, o cenário é justo, o trabalho dos técnicos é competente, e o encenador movimenta todos os cordelinhos para o resultado final ser um sucesso. Houve épocas gloriosas da comédia, mas é um género em equilíbrio instável. Nos últimos anos, há tanta mixórdia servida como prato forte, muitas vezes com sucesso público, que espanta como se desceu tão baixo. No cinema, as comédias americanas, por exemplo, entraram numa decadência tal que se salva uma entre uma centena, com um público cada vez mais boçal a rir de imbecilidades sem nome.
Por isso se deve sublinhar devidamente uma comédia portuguesa que anda há um ano a correr o país, que bate records de audiência e que agora regressou a Lisboa, ao palco do Tivoli. “Lar, Doce Lar” parte de “O Que Importa É Que Sejam Felizes”, de Luísa Costa Gomes, e consegue ser um trabalho invulgar. O texto é muito bem escrito, com um ritmo inusitado, muito bons gags, de situação e de trocadilhos, abordando um tema que já tem servido para várias comédias, mas que resulta original e mesmo um pouco iconoclasta: a velhice passada num lar de luxo para a terceira idade, a residência Antúrios Dourados para Seniores de Qualidade. Um bom texto é sempre um bom ponto de partida e aqui Luísa Costa Gomes acerta em toda a linha, sendo popular sem que isso signifique ser idiota, muito pelo contrário. Depois os actores são magníficos. Maria Rueff e Joaquim Monchique multiplicam-se em papéis e conferem ao espectáculo um ritmo estonteante. Só predestinados conseguem fazer o que eles fazem durante quase duas horas endiabradas, em que as personagens oscilam entre travestis de velhas, jovens, enfermeiras, médicos, e etc. O entrar e sair do eficaz cenário de F. Ribeiro deixa o público sem respiração. O que fará os actores!
A encenação de António Pires é igualmente eficaz, o que também não é difícil com actores a seu lado com a experiência cénica dos dois aqui reunidos. A importância de encontrar no palco o espaço e o tempo certos é essencial para o bom desempenho e eles sabem-na toda.
Posto isto: crise? Claro que há crise, mas uma boa comédia ajuda muito a suportar as agruras que os economistas e os políticos nos impingem diariamente. Não perca “Lar, Doce Lar”. É um excelente antídoto contra o desespero. E depois, um produto natural dá sempre boa disposição, como no-lo dizem as velhinhas, as idosas, as seniores ou os elementos da terceira idade.
LAR, DOCE LAR
Texto: Luísa Costa Gomes; Encenação: António Pires; Cenografia: F. Ribeiro; Desenho de luz: Paulo Sabino; Figurinos: Dino Alves; Intérpretes: Joaquim Monchique, Maria Rueff; Produção: UAU; Teatro Tivoli (de 4 de Setembro a 6 de Outubro, quartas, quintas, sextas, sábados e domingos).
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