A Companhia do Chapitô pôs-se no meio da ‘Tempestade’







Para começar o ano a rir, não há melhor. A Companhia do Chapitô estreia uma nova comédia visual, desta vez a partir de Shakespeare.
Um pano preto. Tudo se pode resumir a um pano preto. É que, bem vistas as coisas, um pano preto pode ser tudo o que se quiser. Pode ser um navio. Ou as velas do navio. Pode ser o mar revolto. As ondas. O manto de uns espíritos demoníacos. Um vestido comprido. A colcha de uma cama (e nem é preciso que a cama esteja literalmente lá por baixo, basta imaginar). Um pano preto pode ser tudo o que se quiser. Pelo menos quando falamos de um pano manipulado pelos actores da Companhia do Chapitô, mestres em fazer as peças mais cómicas de Lisboa com os menores recursos possíveis.
Depois de adaptações de clássicos como Medeia e Drácula, desta vez a companhia virou-se para A Tempestade, a última peça escrita por William Shakespeare (terá aparecido em 1611). A estreia acontece esta quinta, dia 8, no Chapitô, e o espectáculo prolonga-se até dia 1 de Março.
“Esta é uma peça que queríamos fazer há vários anos”, diz John Mowat, responsável pela encenação. “É a peça mais visual que Shakespeare escreveu, e é claro que isso nos interessava.”
Quando se fala em peça visual, em comédia visual, mais precisamente – género no qual a Companhia do Chapitô se movimenta – fala-se de espectáculos onde quase não há texto e onde os actores têm de se desdobrar em várias personagens apenas com a expressão corporal ou um mínimo de adereços.
Neste caso, Jorge Cruz, Marta Cerqueira e Tiago Viegas, três intérpretes, portanto, asseguram as dez personagens principais da história. Apenas com dois objectos: o tal pano preto, e um livro. O que leva os protagonistas da peça a brincar e a baptizar a sua versão da Tempestade com um novo título: “peça para três actores, um pano e um livro”.
Em termos de acção, tudo começa com o afundar do navio onde segue Próspero, o Duque de Milão, devido a uma forte tempestade. Arrastado pelo mar, Próspero vai para a uma ilha encantada, onde vão ter lugar as coisas mais extraordinárias. Aí se cruzam monstros, espíritos, magia, e aí se conta “ o que acontece num mundo de sonho, quando a inocência, o amor, o medo, a malvadez e a vingança entram em choque sob o poder de um grande mágico.
“Esta peça é muito ambígua”, considera Mowat, “na medida em que Shakespeare deixa muitas coisas em aberto, que podem ter várias interpretações.” Para o encenador, que gosta de partir do nada, de um palco despido, e ir testando situações com os actores, essa ambiguidade era ao mesmo tempo perfeita e desastrosa. “O texto deixa imenso espaço para a imaginação, mas ao mesmo tempo é muito bizarro”, explica. “Depois de uma semana a trabalhar nisto”, confessa, “arrependi-me e cheguei à conclusão de que não queria fazer esta peça porque é demasiado louca, não faz sentido.” Mas às tantas, o encenador chegou a uma outra conclusão: “Afinal faz sentido que não faça sentido.” É essa a conclusão que mantém agora. Mesmo no meio da tempestade. Mas com muita graça.
"A Tempestade" Qui-Dom 22.00. 7,50 a 10€. Até 1 de Março.
Ana Dias Ferreira in Time Out
6 de Janeiro de 2009

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