TEATRO
Escolhas de Jorge Louraço Figueira, Rita Martins, Rui Pina Coelho
Escolhas de Jorge Louraço Figueira, Rita Martins, Rui Pina Coelho
1. Platonov
De Tchekov. Encenação de Nuno Cardoso
Teatro Nacional São João
A singularidade deste espectáculo veio da coincidência de vários factores: uma imaginação cénica com rédea dramatúrgica, a maturação de um método de pesquisa teatral e a cumplicidade artística de um grupo de pessoas que trabalham regularmente debaixo dos tectos do Teatro Nacional São João. O resultado foi uma obra teatral que comia à garfada o vermelho e dourado do teatro à italiana e, a partir do palco, reeditava as coordenadas espácio-temporais que eram válidas até então. A composição do colectivo de actores em cena era pensada ao milímetro mas, como deve ser, a cada dia viva. O carácter dissoluto da personagem principal, bem sacado pelos traços feéricos de Hugo Torres, e a desmesura do projecto de Tchekov, insuflada pela estamina da juventude do autor, batiam certo com a celebração da encenação perseguida por Nuno Cardoso. Tudo isto temperado com rigor formal e sobriedade de linguagem q.b., dando origem a uma dos melhores trabalhos dos últimos tempos, e defendendo a encenação como uma das belas-artes. J. L. F.
2. Mona Lisa Show
Encenação de Pedro Gil.
Centro Cultural de Belém
Um espectáculo que transcendeu a mera experiência teatral. Com uma construção em caleidoscópio, sete actores e actrizes contavam histórias pessoais que convocavam o quotidiano de uma classe média lisboeta. Insinuando-se pelo melodrama e tragicomédia, mas também pela telenovela e pelo auto-retrato, fazia-se a cartografi a geográfica e emocional da Lisboa de hoje, num espectáculo absolutamente arrebatador e comunicativo. Uma interpelação poética e breve às nossas vidas, desprovida de qualquer julgamento. R. P. C.
8. Purificados
de Sarah Kane.
Encenação de Krzysztof Warlikowski.
Teatro Nacional São João
Esta encenação era uma alegoria do desejo homossexual, figurada por trocas de roupa e amputação de membros, que ecoava o horror de um campo de concentração. Os actores encarnavam as personagens e as falas com grande clareza de sentido, tornando credível uma ficção em que a sucessão de picos dramáticos era apresentada sem preparação explícita dos conflitos. O que mais impressionava era a beleza das representações da violência, assentes no poder de sugestão dos gestos para reconstituir a força desse desejo. J.L.F.
10. O Concerto de Gigli
De Tom Murphy.
Encenação de Nuno Carinhas.
Pela Assédio.
Teatro Nacional São João
Esta peça articula questões metafísicas à escala pessoal, encarnando-as em personagens com biografia tangível, seguindo o melhor da tradição dramatúrgica irlandesa, cujas personagens, apesar das distâncias, se parecem tanto com figuras do nosso contexto cultural. Os papéis foram representados com ironia, emoção e um certo ar de quixotismo introspectivo, em interpretações brilhantes de João Pedro Vaz e João Cardoso, que desenharam arcos emocionais completos, fazendo-nos ver o pensamento do autor. J.L.F.
Encenação de Pedro Gil.
Centro Cultural de Belém
Um espectáculo que transcendeu a mera experiência teatral. Com uma construção em caleidoscópio, sete actores e actrizes contavam histórias pessoais que convocavam o quotidiano de uma classe média lisboeta. Insinuando-se pelo melodrama e tragicomédia, mas também pela telenovela e pelo auto-retrato, fazia-se a cartografi a geográfica e emocional da Lisboa de hoje, num espectáculo absolutamente arrebatador e comunicativo. Uma interpelação poética e breve às nossas vidas, desprovida de qualquer julgamento. R. P. C.
3. England
Tim Crouch
Culturgest
Tim Crouch deslocou o teatro para uma galeria de arte e escreveu um texto para dois actores sobre a evolução de uma doença cardíaca. Há um coração que falha e outro que é comprado e transplantado. Frio e envolvente, conceptual e intenso, "England" pôs em causa a recusa da morte e os valores de uma cultura sustentada em transacções.
Simplicidade de recursos e complexidade temática perfaziam um espectáculo singular e prodigioso, onde o teatro, o tempo e o corpo surgiam confrontados com as artes visuais, a arquitectura e o valor comercial das obras de arte. R. M.
4. No Dice
Nature Theater of Oklahoma
Festival Alkantara
Reproduziam as conversas telefónicas dos membros do grupo, acrescentavam perucas, bigodes, gestos e esgares. Em "No Dice", o grupo americano Nature Theater of Oklahoma parodiava o melodrama e o mau teatro amador para criar um espectáculo de um burlesco alucinante, regido por um implacável humor físico.
Ao repetir as conversas, tão próximas do nonsense literário, e a vida, tão próxima do melodrama de má qualidade, "No Dice" falava, afinal, sobre qualquer um de nós -das encruzilhadas, dos pequenos ou grandes desesperos, das insignificâncias insanas e/ou deprimentes. R.M.
Tim Crouch
Culturgest
Tim Crouch deslocou o teatro para uma galeria de arte e escreveu um texto para dois actores sobre a evolução de uma doença cardíaca. Há um coração que falha e outro que é comprado e transplantado. Frio e envolvente, conceptual e intenso, "England" pôs em causa a recusa da morte e os valores de uma cultura sustentada em transacções.
Simplicidade de recursos e complexidade temática perfaziam um espectáculo singular e prodigioso, onde o teatro, o tempo e o corpo surgiam confrontados com as artes visuais, a arquitectura e o valor comercial das obras de arte. R. M.
4. No Dice
Nature Theater of Oklahoma
Festival Alkantara
Reproduziam as conversas telefónicas dos membros do grupo, acrescentavam perucas, bigodes, gestos e esgares. Em "No Dice", o grupo americano Nature Theater of Oklahoma parodiava o melodrama e o mau teatro amador para criar um espectáculo de um burlesco alucinante, regido por um implacável humor físico.
Ao repetir as conversas, tão próximas do nonsense literário, e a vida, tão próxima do melodrama de má qualidade, "No Dice" falava, afinal, sobre qualquer um de nós -das encruzilhadas, dos pequenos ou grandes desesperos, das insignificâncias insanas e/ou deprimentes. R.M.
5. Repartição
De Miguel Castro Caldas. Encenação Bruno Bravo. Primeiros Sintomas Culturgest
Ana queria declarar os seus rendimentos e dirigia-se a uma repartição das finanças... Seria este o ponto de partida de um texto para 8 vozes onde se denunciava o trabalho precário e a pulverização dos valores sociais numa Europa comercial. O espectáculo: um monumento à simplicidade teatral, hipnótico e musical, interpretado por oito actores em posições estáticas. Habitando os habituais lugares da parceria Bravo/Castro Caldas (imaginário infantil, uso lúdico da linguagem, exploração da musicalidade do quotidiano, convocação de ambientes oníricos) parodiava inteligentemente o nosso dia-a-dia. R.P.C.
De Miguel Castro Caldas. Encenação Bruno Bravo. Primeiros Sintomas Culturgest
Ana queria declarar os seus rendimentos e dirigia-se a uma repartição das finanças... Seria este o ponto de partida de um texto para 8 vozes onde se denunciava o trabalho precário e a pulverização dos valores sociais numa Europa comercial. O espectáculo: um monumento à simplicidade teatral, hipnótico e musical, interpretado por oito actores em posições estáticas. Habitando os habituais lugares da parceria Bravo/Castro Caldas (imaginário infantil, uso lúdico da linguagem, exploração da musicalidade do quotidiano, convocação de ambientes oníricos) parodiava inteligentemente o nosso dia-a-dia. R.P.C.
6. Acamarrados
De Enda Walsh.
Pelos Artistas Unidos.
Centro Cultural da Malaposta
Este texto de Enda Walsh obriga-nos a testemunhar a relação de um amargurado vendedor de mobílias (António Simão) e da sua filha (Carla Galvão), prostrada na cama pela doença. De uma arquitectura textual violenta e áspera, traduzida numa crueza bestial e no uso de uma linguagem dura, obscena e escatológica, o espectáculo era servido por dois actores maravilhosos. Simão carregava a sua personagem de uma densidade inabalável e Carla Galvão criava molduras plásticas (e vocais) com uma versatilidade incrível, num trabalho simplesmente arrepiante. R.P.C.
7. Diário de Um Louco
De Nikolai Gogol.
Encenação de José Carretas.
Pela Panmixia.
Central Eléctrica do Freixo
Este espectáculo foi um dos quatro monólogos do ciclo "Solidões". A interpretação intensa e sofisticada de João Melo apresentou-nos uma personagem com subtis reservas quanto à eficácia do próprio discurso, e uma certa distância no uso das palavras, que causavam uma vertigem de identificação no espectador. O funcionário público que formula sonhos de grandeza aparecia assim como qualquer um de nós, em mais uma lúcida exploração do carácter nacional feita pelo encenador e dramaturgo José Carretas. J.L.F.
De Enda Walsh.
Pelos Artistas Unidos.
Centro Cultural da Malaposta
Este texto de Enda Walsh obriga-nos a testemunhar a relação de um amargurado vendedor de mobílias (António Simão) e da sua filha (Carla Galvão), prostrada na cama pela doença. De uma arquitectura textual violenta e áspera, traduzida numa crueza bestial e no uso de uma linguagem dura, obscena e escatológica, o espectáculo era servido por dois actores maravilhosos. Simão carregava a sua personagem de uma densidade inabalável e Carla Galvão criava molduras plásticas (e vocais) com uma versatilidade incrível, num trabalho simplesmente arrepiante. R.P.C.
7. Diário de Um Louco
De Nikolai Gogol.
Encenação de José Carretas.
Pela Panmixia.
Central Eléctrica do Freixo
Este espectáculo foi um dos quatro monólogos do ciclo "Solidões". A interpretação intensa e sofisticada de João Melo apresentou-nos uma personagem com subtis reservas quanto à eficácia do próprio discurso, e uma certa distância no uso das palavras, que causavam uma vertigem de identificação no espectador. O funcionário público que formula sonhos de grandeza aparecia assim como qualquer um de nós, em mais uma lúcida exploração do carácter nacional feita pelo encenador e dramaturgo José Carretas. J.L.F.
8. Purificados
de Sarah Kane.
Encenação de Krzysztof Warlikowski.
Teatro Nacional São João
Esta encenação era uma alegoria do desejo homossexual, figurada por trocas de roupa e amputação de membros, que ecoava o horror de um campo de concentração. Os actores encarnavam as personagens e as falas com grande clareza de sentido, tornando credível uma ficção em que a sucessão de picos dramáticos era apresentada sem preparação explícita dos conflitos. O que mais impressionava era a beleza das representações da violência, assentes no poder de sugestão dos gestos para reconstituir a força desse desejo. J.L.F.
9. VLCD!
Teatro Meridional.
Espaço da Mitra
Paródia melancólica sobre o ritmo das grandes cidades, "VLCD!" descrevia a velocidade que mecanizava os corpos e inutilizava o tempo. Recorrendo à técnica de clown, quatro actores emprestavam corpos versáteis a figuras cómicas pela sua rigidez e trágicas pelo seu absurdo. Corriam e esperavam no interior de espaço circular, espelho de um tempo repetitivo. As composições esmeradas fluíam num jogo físico notável, em constante diálogo com as sonoridades extraídas dos objectos, matéria musical e plástica em constante transformação. Mais um espectáculo imperdível do Teatro Meridional. R.M.
Teatro Meridional.
Espaço da Mitra
Paródia melancólica sobre o ritmo das grandes cidades, "VLCD!" descrevia a velocidade que mecanizava os corpos e inutilizava o tempo. Recorrendo à técnica de clown, quatro actores emprestavam corpos versáteis a figuras cómicas pela sua rigidez e trágicas pelo seu absurdo. Corriam e esperavam no interior de espaço circular, espelho de um tempo repetitivo. As composições esmeradas fluíam num jogo físico notável, em constante diálogo com as sonoridades extraídas dos objectos, matéria musical e plástica em constante transformação. Mais um espectáculo imperdível do Teatro Meridional. R.M.
10. O Concerto de Gigli
De Tom Murphy.
Encenação de Nuno Carinhas.
Pela Assédio.
Teatro Nacional São João
Esta peça articula questões metafísicas à escala pessoal, encarnando-as em personagens com biografia tangível, seguindo o melhor da tradição dramatúrgica irlandesa, cujas personagens, apesar das distâncias, se parecem tanto com figuras do nosso contexto cultural. Os papéis foram representados com ironia, emoção e um certo ar de quixotismo introspectivo, em interpretações brilhantes de João Pedro Vaz e João Cardoso, que desenharam arcos emocionais completos, fazendo-nos ver o pensamento do autor. J.L.F.
in Ípsilon (Público) a 23 de Dezembro de 2008
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