"Tomada do Carvalhal"


Companhia ESTE – Estação Teatral
a verdadeira história da
TOMADA DO CARVALHAL de Nuno Pino Custódio

8 a 11 de Maio 08
Quinta a Sábado às 22h00  Domingo às 17h00
no Teatro Meridional
[R. do Açúcar, 64 - Beco da Mitra – Poço do Bispo – 1950-009 Lisboa]

SINOPSE
– De quem é o Carvalhal?
– É do Senhor Garrett…
Em 1890, a família Garrett era uma das mais importantes do distrito. Explorava as pastagens do Carvalhal e a Irmandade do Santíssimo as castanhas. O povo do Souto da Casa, por sua vez, detinha o cultivo da terra. Mas houve uma época em que o rico proprietário incumbiu o seu feitor, António Antunes Aquém, de ocupar todos os terrenos e não deixar que se cultivasse. Então, os sinos tocaram a rebate, o povo juntou-se e Aquém, desde o alto da Serra até ao povoado, foi obrigado a carregar um pesado tronco de castanheiro às costas.
– De quem é o Carvalhal? – Insistiam.
– É vosso… – Respondia o castigado, vencido pela dura provação.
Mas não era ainda isto que todos queriam ouvir. E foi vê-lo descer encosta abaixo carregando a sua cruz. Foi o seu sofrimento, a sua aflição – afinal o sofrimento e a aflição de um povo – que o fez proferir, alto e bom som, as palavras ajustadas.
– De quem é o Carvalhal?
– O Carvalhal… é nosso!

A ESTE – Estação Teatral encontra nesta já lendária história da sua região o rudimento para criar um novo espectáculo, transmitindo assim as bases da sua teatralidade. Numa comunicação directa, onde o Teatro se faz com o espectador, o gesto, o movimento, a acção e a música dos bombos e do pífaro expressam a força telúrica de uma história regional que serviu de inspiração para a Revolução dos Cravos, em Abril de 1974, e se nos depara hoje como feliz metáfora de uma sociedade que permite com assustadora passividade que poucos Garrett fiquem com todas as castanhas…

FICHA ARTÍSTICA E TÉCNICA
Encenação e Dramaturgia Nuno Pino Custódio
Cenografia e Figurinos Marta Carreiras
Desenho de Luz e operação Pedro Fino
Musica José Reis Fontão
Interpretação Carlos Pereira, Maria de Vasconcelos e Rui M. Silva
Interpretação musical Alexandre Barata, António Supico, Bruno Fonseca e José Emílio Martins
Produção Companhia ESTE – Estação Teatral
Duração 60 minutos (aprox.)
Classificação Etária M/12 anos


SOBRE O ESPECTÁCULO
Contar uma história é uma faculdade que se quer consciente e desenvolvida, pois essa, essa história que é única, são na verdade infindáveis possibilidades de narrativa. Uma história são, então, muitas histórias, tudo dependendo da relatividade de quem a conta e de quem a percepciona. De tal forma que as opções tomadas, a maneira como são transmitidas a outrem, independentemente dos seus acontecimentos estruturais e imutáveis, se evidencia por si só como um genuíno acto de amor. Porque a versão que contamos a quem nos observa é, nada mais, nada menos, simultaneamente, aquela que contamos também a nós próprios.
Isto mesmo se descobriu quando se tratou de recolher no terreno a história da Tomada do Carvalhal. Sobretudo porque se trata de um relato vivo, perfeitamente situado na tradição oral, que se devia cingir unicamente à objectividade do historiador – uma vez que tem a pretensão de expor o que realmente se passou em determinado lugar, num determinado tempo – mas que justamente por se transmitir “de pais para filhos”, ao longo de décadas, por intermédio da expressão verbal oral – ganha inesperadamente não apenas enfoques de extrema subjectividade como periga na vertigem do mito e da lenda.
Por quase todo o concelho do Fundão, só há uma resposta possível para o grito-pergunta: “De quem é o Carvalhal?” Tal e qual como a senha e a contra-senha que permite o inquirido “entrar” e referenciar-se num meio específico. Mas a história que a equipa da ESTE – Estação Teatral captou é a certeza de que a única coisa constante desta vida é a inconstância, a impermanência de todas as coisas. Mas as coisas nunca explicam a felicidade. Apenas os processos, pois é aqui que se descortinam as essências e o próprio Ser. E a lente que entende a vida como um resultado de processos interdependentes e intermináveis regista que esta era realmente uma história que tinha que ser contada aqui e agora.
Por outras palavras: A beleza do relato da Tomada do Carvalhal consiste nos inúmeros caminhos, possibilidades e jeitos que se tomam para se contar uma mesma história e, assim, paradoxalmente, deixar-se assinalado o que nessas versões (algumas vezes tão díspares) é estrutural e imutável, como se se tratasse da sua ideia, ou seja, da sua verdade inalienável.
Ainda mais em concreto: Se a resposta à pergunta “De quem é o Carvalhal?” é um “É nosso!” que faz da pluralidade a soma harmoniosa de todos os indivíduos, na essência da sua singularidade enquanto indivíduos, também a experiência particular de se ouvir um relato divergente e único, de cada vez que alguém se pronunciou, assinala justamente mais do que uma pluralidade: uma unidade, uma uniformidade, um “nós”. Em todas as versões discrepantes e até contraditórias foi possível captar o mesmo âmago, a mesma organização, o mesmo sentimento, a mesma emoção e a mesma verdade. Essa constante de que somos todos iguais enquanto seres humanos não porque tenhamos que ser semelhantes, não porque tenhamos que padronizar emoções, sentimentos, pensamentos, não porque tenhamos que estandardizar hábitos, culturas e práticas mas porque, exactamente pelo inverso, somos criaturas únicas, diferentes, irrepetíveis – ao contrário do que as sociedades capitalistas contemporâneas do Ocidente hoje determinam (mesmo que, ainda assim, sub-repticiamente).
É essencialmente por isso que a história da Tomada do Carvalhal hoje ainda está viva. Não existem já testemunhas oculares, pois o caso deu-se há cento e vinte anos, numa pequena aldeia do concelho do Fundão que, como tantas outras do interior, assiste impávida e serena ao fenómeno da desertificação. Mas encontram-se ainda parentes dos protagonistas e alguns até que eram crianças pouco tempo depois daquelas ocorrências extraordinárias. Ocorrências extraordinárias que, ainda em tempo da monarquia, são hoje referenciadas como o primeiro movimento comunista espontâneo em território português…
Se a necessidade da encenação era, acima de todas as coisas, dar movimento a uma tradição oral e contribuir para tornar ainda mais viva, mais presente e mais dinâmica uma realidade que “todos” no seu concelho conhecem, então esta só podia estar sensível ao processo de investigação e registo da própria história, mais do que à crónica em si. Teremos assim personagens que mentem, outras que se contradizem, outras que são vagas, outras que já não se lembram de quase nada, outras que ouviram dizer de outros que também ouviram dizer, outras ainda que ocultam o que não as motiva e exacerbam subjectivamente outros aspectos, outras mais que têm “toda a certeza” que foi assim mas que divagam por matérias de outros universos e deixam tudo por contar e outras finalmente que sonham e fantasiam (inclusive com muito misticismo à mistura).
Este foi o processo de registo e, desta diversidade, desta riqueza, chamemos-lhe assim, permaneceu de forma indestrutível a mesma verdade: a de que houve um povo que se revoltou contra o egoísmo e a avareza de um proprietário e determinou através da compaixão que as terras eram de todos, inclusive dos que nem delas precisavam. Porque todos somos nós. Não existe quem se possa excluir, como não existe quem viva e não sinta, não pense, não respire, não tenha um nome, não se abrigue do frio, não coma ou não durma.
Mais do que as “coisas” deste acontecimento, que se articulam em liberdade entre os factos históricos e a lenda, existe o processo de contá-la a outro. E como se disse em cima, são estes que explicam a felicidade, não as “coisas”.
A encenação que a ESTE – Estação Teatral fomenta e divulga é assim a verdadeira história da Tomada do Carvalhal. A que está viva. A que perdura nos tempos. A que todos contam por si onde (para além dos factos que se tocam) também é contraditória, irreal, subjectiva. Mas que por isso mesmo tem sempre uma luz própria. Como uma estrela, um pontinho único num céu generosamente imenso. Única num manto de uma infinidade de tantas outras estrelas.
Esta é a história que realmente é nossa. A única, a verdadeira.

Nuno Pino Custódio
11.11.2007

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